Estes, aceitando a tarefa, puseram-se a persegui-lo. Mas durante a perseguição, ficando cansados e com sede, Yudhishthira mandou o seu irmão Nakula subir a uma árvore para que avistasse um local com água. Coube também a Nakula, após identificar o local e a direcção a tomar, ir até lá buscar água para os seus irmãos.
Quando Nakula chegou ao rio, uma voz alertou-o para que não bebesse ainda do lago, mas que lhe respondesse primeiro às suas perguntas. No entanto, Nakula não lhe deu atenção e bebeu, caindo morto. Como Nakula demorava em regressar, Yudhishthira enviou Sahadeva, que também caiu morto ao beber da água do rio, e assim sucessivamente com os seus dois outros irmãos, até só restar o próprio Yudhishthira, indo ele até ao rio.
Contudo, Yudhishthira, ao ver os seus irmãos mortos na margem do lago, foi mais ponderado e, apesar da sede, aceitou responder primeiro às questões da voz do lago, que tomara entretanto a forma de um Yaksha, ou espírito da natureza.
O Yaksha perguntou-lhe:
“O que faz o sol nascer? E o que se move sobre ele? O que o faz descer? E qual a sua base?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“É Brahman quem faz o sol nascer. Os deuses movem-se sobre ele. A Lei fá-lo descer. A sua base é a verdade.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Como é que alguém se torna sábio? Como é que alguém alcança a grandeza? Como é que alguém, ó rei, pode evoluir? Como pode alguém ser justo?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Aprendendo-se atinge-se a sabedoria. Pelo ascetismo atinge-se a grandeza. Pela coragem evolui-se. Servindo os mais velhos aprende-se a ser-se justo.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Qual é a divindade dos sacerdotes? Qual é a sua Lei, típica dos bons? Qual é a sua natureza humana? Qual é o seu vício, típico dos maus?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“O estudo dos Vedas é a sua divindade, o ascetismo é a sua Lei, típica dos bons; a mortalidade é a sua natureza humana, a difamação é o seu vício, típica dos maus.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Qual é a divindade dos guerreiros? Qual é a sua Lei, típica dos bons? Qual é a sua natureza humana? Qual é o seu vício, típico dos maus?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“A flecha é a sua divindade, o sacrifício é a sua Lei, típico dos bons; o medo é a sua natureza humana, a deserção é o seu vício, típica dos imprecisos.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Qual é o canto sacrificial? Qual é a fórmula sacrificial? O que é que corta o sacrifício? O que é que o sacrifício não excede?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“A respiração é o canto sacrificial, a mente é a fórmula sacrificial. O discurso é o único que corta sacrifício e este é aquilo que o sacrifício não excede.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“O que será melhor para aqueles que cultivam? O que será melhor para aqueles que semeiam? O que será melhor para aqueles que pastoreiam? O que será melhor para aqueles que habitam? O que será melhor para aqueles que produzem?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“A chuva é o melhor para quem cultiva; a semente é o melhor para quem semeia. As vacas são o melhor para quem habita, um filho é o melhor para quem produz.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Quem é que experimenta os objectos dos sentidos, que é inteligente, honrado no mundo, respeitado por todos os seres e que respira mas, ainda assim, não está vivo?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Aquele que não faz oferendas aos cinco – deuses, convidados, subordinados, antepassados e a si próprio – respira mas, ainda assim, não está vivo.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“O que é mais pesado do que a terra, maior do que o céu, mais rápido do que o vento, mais numeroso do que a erva?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“A mãe é mais pesada que a terra e o pai maior do que o céu; a mente é mais rápida do que o vento e as preocupações são mais numerosas do que a erva.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“O que é que não fecha os olhos quando dorme? O que é que não se agita quando nasce? O que é que não tem coração? O que é que cresce correndo?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Um peixe não fecha os olhos quando dorme. Um ovo não se agita quando nasce. Uma pedra não tem coração. Um rio cresce correndo.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Quem é o amigo do viajante? Quem é o amigo daquele que está em casa? Quem é o amigo do doente? Quem é o amigo daquele que está a morrer?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Uma caravana é a amiga do viajante. A esposa é a amiga daquele que está em casa. Um médico é o amigo daquele que está doente. A caridade é a amiga daquele que está a morrer.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Quem é o convidado de todos os seres? Qual é a Lei Eterna? Qual é o néctar da imortalidade, ó rei dos reis? O que é todo este universo?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“O fogo é o convidado de todos os seres. A imortalidade é a Lei Eterna. O Soma é o néctar eterno. O vento é todo o universo.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Quem é que viaja sozinho? Quem é que nasce de novo? Qual é o remédio contra a neve? O que é o grande recipiente?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“O sol viaja sozinho. A lua nasce de novo. O fogo é o remédio contra a neve. A terra é o grande recipiente.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“O que é, numa palavra, virtuoso? O que é, numa palavra, a fama? O que leva, numa palavra, ao céu? O que é, numa palavra, a felicidade?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Numa palavra, o trabalho é virtuoso. Numa palavra, dar é ter fama. Numa palavra, a verdade leva ao céu. Numa palavra, ter-se carácter é a felicidade.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Quem é o Eu do homem? Quem é o amigo feito pelo destino? Quem é que suporta a sua vida? Qual é o seu último refúgio?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Um filho é o Eu do homem. Uma esposa é a amiga feita pelo destino. Uma nuvem de chuva suporta a sua vida. A misericórdia é o seu último refúgio.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Qual é a maior das riquezas? Qual é a maior das posses? Qual é a mais lucrativa das coisas? Qual é a mais agradável das coisas?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“A habilidade é a maior das riquezas. A sabedoria é a maior das posses. A saúde é a mais lucrativa das coisas. O contentamento é a mais agradável das coisas.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Qual é a maior Lei do mundo? Que Lei gera sempre frutos? O que é que não causa sofrimento quando controlado? Que união é que não se quebra?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Rejeitar a crueldade é a maior Lei do mundo. A Lei Védica gera sempre frutos. A mente não causa sofrimento quando controlada. A união com a bondade não pode ser quebrada.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“A que renuncia aquele que se torna amigável? A que renuncia aquele que deixa de sofrer? A que renuncia aquele que se torna rico? A que renuncia aquele que se torna feliz?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Torna-se amigável quem renuncia ao orgulho. Deixa de sofrer quem renuncia à raiva. Torna-se rico quem renuncia ao desejo. Torna-se feliz quem renuncia à ganância.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Qual é o propósito de dar-se esmola aos sacerdotes? Aos dançarinos e actores? Aos servos? E aos reis?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Dá-se esmola aos sacerdotes em nome do mérito religioso; aos dançarinos e actores em nome da fama; aos servos para os apoiar; e aos reis por medo.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Porque é que o mundo está escondido? Porque é que não se torna visível? Porque é que os amigos são abandonados? Porque é que alguns não vão para o céu?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Devido à ignorância, o mundo está escondido. Devido às trevas, o mundo não se torna visível. Devido à ganância, os amigos são abandonados. Devido ao apego mundano, alguns não vão para o céu.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Como pode um homem estar morto? Como pode um reino estar morto? Como pode um rito fúnebre estar morto? Como pode um sacrifício estar morto?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Um homem pobre está morto. Um reino sem rei está morto. Um rito fúnebre sem um sacerdote sábio está morto. Um sacrifício sem recompensas para os sacerdotes está morto.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Qual é a direcção certa? O que é a água? A comida e o veneno? Diz-me qual é o tempo apropriado para o rito fúnebre. E então poderás beber e partir.”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“O bem é a direcção certa. O espaço é a água, a vaca é a comida, mendigar é o veneno. Um sacerdote é o tempo apropriado para o rito fúnebre. Ou não é assim, ó Yaksha?”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Qual é a característica distintiva do ascetismo? O que é o auto-domínio? Qual é o mais alto grau de resistência? O que é a vergonha?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Viver de acordo com o seu dever pessoal é ascetismo. Controlar a mente é auto-domínio. Resistência é a capacidade de suportar dificuldades. Vergonha é dar-se impropriamente.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“O que é o conhecido, ó rei? O que é a paz? Qual é o maior acto de piedade? O que é a rectidão?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“O conhecido é compreender-se a natureza da realidade. A paz é uma mente calma. A piedade é desejar-se o bem em todas as direcções? A rectidão é uma mente moderada.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Que inimigo é invencível? E o que é uma doença eterna para o homem? Que tipo de pessoa é vista como honesta? E como desonesta?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“O ódio é o mais invencível dos inimigos, a ganância é uma doença eterna. Uma pessoa bem intencionada para com todos os seres é vista como honesta e uma pessoa cruel é vista como desonesta.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“O que é a ilusão, ó rei? E o que é o orgulho? O que é a inércia? E o que é o sofrimento?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“A ilusão é não se compreender a Lei. O orgulho é ser-se vaidoso; a inércia é negligenciarem-se os deveres. O sofrimento é a ignorância.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Ao que é que os profetas chamam de estabilidade? O que é a fortaleza? O que é a extrema purificação? O que é a generosidade?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“A estabilidade é ser-se firme no dever pessoal, fortaleza é controlar os sentidos, a extrema purificação é limpar as impurezas mentais e a generosidade é proteger as criaturas.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Que Homem é sábio? Quem é que é chamado ateu? Quem é que é chamado estúpido? O que causa o desejo? O que é a inveja?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Aquele que conhece a Lei é sábio. Um estúpido é chamado de ateu e um ateu é chamado de estúpido. O desejo é provocado pelo ciclo dos renascimentos e a dor no coração é a inveja.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“O que é o egoísmo? O que é a hipocrisia? O que de melhor vem dos deuses? O que é a calúnia?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“O egoísmo é a grande ignorância. A hipocrisia é defender-se uma bandeira religiosa. O fruto da doação é o que de melhor vem dos deuses. A calúnia é rebaixarem-se os outros.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“A Lei, o benefício e o desejo são opostos entre si. Como podem estas eternas oposições reunirem-se num único local?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Quando a Lei e a esposa são submissas uma à outra, então surgem unidos pela tríade da Lei, do benefício e do desejo.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“O mais táureo dos Bháratas, quem é que vai para o inferno imortal? Responde-me de imediato!”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Aquele que chama a um sacerdote de pobre pedindo-lhe um dom, mas que não lhe dá nada como recompensa, esse é lançado no inferno imortal. Aquele que age de forma imprópria para com os Vedas e os Manuais da Lei, para com os sábios, os deuses e os rituais para os antepassados, esse é lançado no inferno imortal. Aquele que é rico, mas que devido à ganância, não dá riqueza nem a aproveita, e que depois diz não ter posses, esse é lançado no inferno imortal.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Mas o que é que faz, ó rei, alguém tornar-se num sacerdote, será o nascimento, a conduta, o estudo ou a sabedoria? Responde-me acertadamente.”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Então ouve-me, querido Yaksha! Nem o nascimento, nem o estudo, nem a sabedoria fazem de alguém um sacerdote. É apenas a conduta, sem dúvida! Um sacerdote tem o dever de se sacrificar por manter a sua conduta. O homem cuja conduta não falha não é corruptível, mas outro que não o faça pode perder-se uma e outra vez na sua conduta pessoal. Professores, sábios e outros que estudam os textos, estudam muito, mas apenas para se tornarem mais estúpidos; pois é aquele Homem que cumpre com o rito quem é, na verdade, uma autoridade na sabedoria. Até um Homem que conheça os quatro Vedas é inferior a um escravo, se a sua conduta for má. É o homem controlado, que se concentra nas oferendas ao fogo, quem é distinguido como um sacerdote.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“O que ganha aquele cujo discurso é encantador? O que ganha aquele que age depois de pensar? O que ganha aquele que fez muitos amigos? O que ganha o Homem devoto à Lei? Diz-me!”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Aquele cujo discurso é encantador, torna-se popular; Aquele que pensa antes de agir, ganha prosperidade; Aquele que faz muitos amigos, vive feliz; E aquele que é devoto à Lei, terá um bom renascimento.”
O Yaksha perguntou-lhe:
“Quem é feliz? O que é extraordinário? Qual é o caminho? Quais são as notícias? Responde às minhas quatro questões para que os teus irmãos mortos possam viver!”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“Ó habitante da água, aquele Homem que no quinto ou sexto dia, cozinha vegetais na sua própria casa, que não tem dívidas nem está exilado, esse é verdadeiramente feliz. Todos os dias as criaturas vão para o reino de Yama (a morte); contudo, as que ficam cá continuam a procurar algo permanente. O que poderá ser mais extraordinário do que isto? O raciocínio não tem fundamento, os textos revelados contradizem-se uns aos outros, não existe um único sábio cuja opinião seja autoritária, a verdade sobre a Lei está escondida numa gruta. O caminho que os grandes Homens têm seguido – esse é o caminho. A ilusão é a caldeira, o sol é o seu lume, os dias e as noites as suas acendalhas, os meses e as estações a colher que remexe, o tempo cozinha os seres – estas são as notícias!”
O Yaksha disse-lhe:
“Tu respondeste às minhas questões correctamente, ó destruidor de inimigos. Diz-me agora, o que é um Homem e que Homem possui todas as riquezas?”
Yudhishthira respondeu-lhe:
“A fama das boas acções toca a terra e o céu. Enquanto a sua fama perdurar ele é chamado de Homem. O Homem para quem o prazer e o sofrimento, a felicidade e a miséria, assim como o passado e o futuro são iguais, possui todas as riquezas.”
Com isto, o Yaksha ressuscita, um a um, os seus irmãos, revela-se a si mesmo como seu pai e concede-lhe três desejos. Yudhishthira pede para que sejam recuperados os gravetos, que ele e os seus irmãos possam viver de forma incógnita o décimo terceiro ano de exílio, e que ele seja detentor de um elevado carácter moral.