Yoga Verdadeiro e Falso

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Conferência proferida na “Casa da Arte”

Existem três palavras com as quais a antiga cultura da Índia contribuiu para enriquecer o pensamento filosófico do Ocidente. São elas o Nirvana, o Karma e o Yoga. A palavra Nirvana chegou da Índia aos países ocidentais através das obras literárias dos orientalistas do Ocidente, e a mente popular ficou fascinada pelo seu estranho significado de «aniquilação», enquanto objectivo supremo da alma humana. É verdade que estes mesmos orientalistas descobriram, mais tarde, que a palavra Nirvana não significa aniquilação, mas o seu erro foi descoberto demasiado tarde, e os dicionários europeus ainda definem o Nirvana como equivalente a aniquilação. É assim que este equívoco persiste. As outras duas palavras, Karma e Yoga, foram popularizadas no Ocidente pelos Teósofos. Das duas palavras, o Karma é, de longe, a mais conhecida. Significa a lei da natureza que diz que onde há uma causa, há também um efeito. É a lei moral a que São Paulo se referia quando disse: «Não se iludam; ninguém engana Deus, pois aquilo que o homem semear, isso mesmo colherá».

A palavra Karma significa «acção» ou «feito», porque um acto produz como resultado um determinado efeito, ou seja, um novo conjunto de condições para gerar outro acto. Como tal, a palavra Karma é usada na Índia para significar que as condições em que um homem se encontra num determinado momento são o resultado de forças que ele próprio produziu. Se, portanto, um homem se encontra num estado miserável, isso é o resultado do seu Karma, porque ele criou, no passado, forças prejudiciais devido aos seus pensamentos, emoções e acções, e estas forças antecedentes reagem sobre ele e causam-lhe misérias e tristeza. É o Karma do homem que leva alguns a nascerem na riqueza e a serem filhos mimados da opulência, e outros a nascerem na pobreza miserável de pais ignorantes e viciosos. Tudo isto é o resultado lógico de causas anteriores e o Karma, portanto, acompanha o homem como a sua própria sombra, trazendo-lhe felicidade ou miséria. Tal é, pois, em resumo, o significado do Karma, tanto no Budismo quanto no Hinduísmo.A palavra Yoga é utilizada apenas no Hinduísmo, mas o significado que ela engloba é também amplamente reconhecido no Budismo. A palavra significa «união»; a antiga raiz yuj- encontra-se no inglês, na palavra yoke, e no espanhol na palavra yugo1, ou seja, a trave de madeira que se coloca sobre o pescoço dos bois para os unir numa junta. Vem do latim yugum, que significa uma junta de bois e também, como metáfora, significa a barra formada pelo cruzamento de duas varas, sob a qual os romanos faziam passar os seus inimigos derrotados para os humilhar em prova de submissão.

Na actual mentalidade popular da Índia, Yoga significa duas coisas: primeiro, o vínculo que une o homem a Deus; e, segundo, a maneira de perceber, com o coração e a mente, a natureza dessa união e o prazer que dela deriva.

Há outra palavra na cultura indiana que é, possivelmente, mais significativa para a filosofia hindu do que as outras três que mencionei, o Nirvana, o Karma e o Yoga. Esta palavra é Atma, cujo significado é «Eu», o pronome reflexivo na nossa gramática. Mas esta palavra, Atma, este pronome reflexivo que se refere a nós próprios, e ao qual damos tanta ênfase quando o usamos, tem outro significado; descreve um «Eu» ou «Entidade» que reside em todo o universo.

Existe, portanto, no Universo, em primeiro lugar, um «Grande Eu», ou seja, a soma total de tudo o que é concebível em Deus, não só na sua forma «transcendente», mas também na sua natureza «imanente» e, em segundo lugar, existe um pequeno eu, que é a alma individual do homem.

a buddha statue sitting in the middle of the ground
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Mas o Grande Eu e o pequeno eu formam sempre um só, e não dois.

Portanto, na estranha forma que tentarei descrever, estas quatro palavras, Atma, Nirvana, Karma e Yoga, fundem-se umas nas outras, porque o significado de uma é inseparável do significado das outras três.

Por vezes, penso que é impossível para os ocidentais compreenderem verdadeiramente os sublimes ensinamentos da Índia. É evidente que podem compreendê-los, porque o intelecto humano é o mesmo em todas as partes do mundo, mas os ocidentais não se apercebem até que ponto a sua capacidade intelectual foi limitada pela teologia cristã. O Cristianismo proclama um conceito antropomórfico de Deus e, acima de tudo, proclama firmemente que existe um profundo abismo a separar as duas naturezas, a divina e a humana.

O intelecto europeu pensa sempre inconscientemente em Deus, associando-o a uma imagem humana. Não é assim que vemos nas igrejas inúmeras pinturas que representam o Deus Pai como um ancião e o Espírito Santo como uma Pomba? Em Itália, qualquer ancião com uma grande barba branca é, humoristicamente, chamado de «Pai Eterno». Não é uma verdade essencial do Cristianismo que o homem deva reconhecer claramente que foi criado por Deus, da mesma forma que um oleiro molda um vaso de barro e que, portanto, o futuro do homem depende unicamente da bondade divina? É verdade, como bem se disse, que Deus criou o homem «à sua imagem» e que Deus «infundiu com um sopro» a alma no homem, mas isto não implica que o homem possa ter qualquer pretensão de partilhar qualquer reino com Deus. O oleiro e o vaso que ele modela, são duas coisas bem distintas; seria ridículo que o vaso pretendesse possuir, na sua argila, qualquer partícula do génio criativo do oleiro. É assim que a mentalidade ocidental foi treinada para pensar a relação que existe entre Deus e o Homem.

Mas é aqui, especialmente, que a Índia difere inteiramente do Ocidente. É verdade que na Índia existem milhares de estátuas de deuses e deusas, mas estas divindades são consideradas apenas como representações de um aspecto ou atributo da Divindade. Existem também estátuas que representam aquele Deus supremo, chamado de Ishvara, mas estas representam apenas alguns dos seus aspectos, como Brahma, o Criador, Vishnu, o Preservador, ou Shiva, o Destruidor. Mas não existe absolutamente nenhuma imagem da Divindade, absoluta e perfeita, da Causa Primeira que produziu o vasto universo, cujos fragmentos, as estrelas, vemos à noite. Nenhum pintor ou escultor hindu jamais sonhou em reproduzir a imagem da Divindade Absoluta. O hindu compreende isto tão claramente e sabe tão perfeitamente que, para além de todas as representações de Deus, está a natureza indescritível do Deus Verdadeiro que, ignorante como é, sabe perfeitamente que, por detrás da imagem da Divindade que venera – uma entre os milhares que constituem o Panteão Hindu – existe o Absoluto, que não pode ser representado sob qualquer forma, pois transcende-as a todas.

Este Deus Absoluto é chamado por muitos nomes, mas o mais conhecido na filosofia hindu é Brahman. Esta palavra, Brahman, deve ser distinguida de Brahma, o Criador, a primeira pessoa da Trindade hindu. Brahman, o Absoluto, é uma palavra neutra, enquanto Brahma, o Criador, é masculina. Brahman, o Deus Absoluto, é o Princípio Universal que contém tudo o que é concebível no Universo, passado, presente ou futuro. Dele nasce o Universo e dele surge tudo o que vive, o que se move e tem existência. É por esta razão, porque Brahman é o Absoluto, que é chamado por uma palavra neutra.

Quando o Absoluto desejou criar um Universo, primeiro emanou da sua essência Ishvara, que é o supremo “Deus Pessoal”.

É Ishvara que possui os atributos da Trindade e, portanto, quando Ishvara cria o seu universo, fá-lo através da sua função tripla de Brahma, o Criador; Vishnu, o Preservador; e Shiva, o Destruidor. Mas note-se que Ishvara, o Deus que cria, mantém e desintegra o universo, a fim de o criar de novo, não é o Deus Absoluto. Ishvara trabalha num universo onde reinam o tempo, o espaço e a causalidade, mas por detrás do próprio Ishvara está Brahman, o Absoluto, a Divindade Impessoal.

Permitam-me uma interrupção no meu discurso, para expressar a minha tristeza ao notar como um dos nomes mais sagrados para o hindu, Brahma, é usado no Rio de Janeiro para designar um certo tipo de cerveja e outros licores. Certamente, a fábrica que produz estas bebidas não deve saber que esse nome é tão sagrado para os hindus quanto Cristo o é para os ocidentais. Mas é justamente essa ignorância que é uma prova tão típica do orgulho supremo do Ocidente sob a influência da teologia cristã, pois o Cristianismo dividiu o mundo em cristãos dignos de salvação e pagãos que só são dignos de condenação, é claro, enquanto não aceitarem o Cristianismo. Por conseguinte, qualquer fé pagã, por mais sagrada que seja para os que a professam, é considerada sem valor. Já vi nos Estados Unidos, tal como aqui, imagens de Buda dispostas de modo a segurarem lâmpadas eléctricas na cabeça, e algo ainda mais horrível, imagens de Buda com pequenos buracos na cabeça para servirem de saleiros. Também vi, em casa de um pastor cristão, a imagem de Buda usada como pedra ou cunha para segurar uma porta aberta. Ora, os hindus, tal como os antigos gregos, dividem o mundo em duas classes: eles, que são os escolhidos de Deus, e os outros, os “bárbaros” que têm deuses estranhos. Mas não há um único hindu que tenha os rudimentos de cultura, nem há um homem no Japão, na China, na Birmânia, no Sião ou em Java que se considere “educado” e sonhe, por um momento que seja, em mostrar algo mais do que o mais profundo respeito pelas religiões daqueles que consideram “bárbaros”, mesmo quando acreditam que são totalmente falsas. Os orientais sabem que a cruz é um símbolo cristão, mas em nenhum lugar do Oriente se encontra a cruz usada como grampo de papel numa secretária, nem a imagem da Virgem usada para fabricar aparelhos eléctricos. É este profundo respeito pelas crenças dos outros que o Ocidente deve aprender com o Oriente.

Mas voltando à minha dissertação, Brahman, o Absoluto, é também chamado de Atma, o Eu. Mas esta palavra Atma (por vezes escrita na sua forma gramatical Atman) significa ao mesmo tempo a alma individual do homem. Daí surge o ensinamento mais significativo de todo o Hinduísmo: que Brahman ou Atman, ou a Alma Universal, é a alma humana. A alma humana não é a criatura que emana de Brahman e, portanto, dependente de Brahman, como o vaso depende do oleiro; a alma humana e a Alma Universal são “sempre” a mesma, desde o início dos tempos. E, portanto, tudo o que existe: a pedra, a estrela, a planta, o animal, o selvagem, o santo, tudo é Brahman. O Divino, portanto, não está apenas “em” todas as coisas, mas o Divino “é”, também, todas as coisas. Cada atributo de bondade, grandeza ou beleza que atribuímos a Deus é igualmente aplicável a qualquer objecto separado no universo.

Seated Brahma
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Mas como é possível, dir-se-á, que esta mesa, esta cadeira, estas paredes, sejam Deus? Não será uma blasfémia fazer descer Deus da sua natureza “transcendente” no céu, e dizer que Ele é, em tudo, composto de matéria? Não me cabe a mim justificar os conceitos da filosofia hindu; não vim aqui para vos converter ao Hinduísmo. Para além disto, não haveria tempo suficiente numa conferência para vos dar a conhecer todas as razões válidas que sustentam esta crença e, por outro lado, é muito melhor que descubram essas razões por vós próprios, cada um individualmente. Posso apenas dizer-vos que as maiores mentes filosóficas da Índia e da Grécia, que proclamaram a sua crença na Divindade Panteísta, estavam tão cheias de veneração, devoção e adoração como o mais devoto cristão que colocou o seu coração aos pés de Deus, como sinal de completa submissão e renúncia. Ser-se panteísta não é estar-se desprovido do espírito de veneração e reverência, mas permite que a mente julgue mais livremente certos grandes eventos da evolução, agora descobertos pela ciência e incorporados a uma nova filosofia de conduta.

Como Teósofo, estou firmemente convencido de que quanto maior for a compreensão filosófica e científica que as nossas mentes puderem abarcar, maior e mais profunda será a nossa capacidade de devoção a Deus.

Não nos devemos esquecer que o Panteísmo não afirma que a matéria, como matéria tangível e ponderável, é Deus, mas que, de alguma forma misteriosa, a “base” da matéria, a consciência por detrás da energia do electrão – para usarmos termos modernos – encerra a Natureza Divina, assim como a Natureza está encerrada na alma do homem.

Eu disse que a Alma Universal e a alma individual do homem são sempre uma só. Se existe uma tal Unidade, como é que temos a consciência do dualismo de Deus e do homem? Pois sabemos que somos muito imperfeitos, que o nosso carácter está ainda em formação; temos diante da nossa mente ideais de virtude e perfeição, mas estamos ainda longe de os poder realizar. Se somos realmente Deuses, porque é que não temos consciência desse facto quando a tentação nos assedia e a miséria nos oprime? Como é que podemos dizer, sem nos enganarmos, que somos Deus? A resposta a esta questão é o problema do Yoga, ou seja, o caminho da união com Deus.

A filosofia hindu afirma que o homem, que é Brahman, entra, como alma individual, num processo de manifestação e evolução. Porque é que ele prefere deixar a sua unidade celestial com Deus, para entrar no processo evolutivo, é uma questão que o Hinduísmo não contesta; para o Hinduísmo é uma verdade axiomática. E, no entanto, é uma questão que todos nós nos colocamos quando começamos a pensar profundamente. A questão aparece sob várias formas: porque é que Deus, que é a Perfeição, criou um mundo imperfeito? O que é que Deus ganha ou ganhou com o seu acto de criação? O que é que leva Deus a descer da sua Serenidade, a criar um sistema turbulento de evolução? E nesse sistema, porque é que ele tolera o mal? O diabo é necessário a Deus? E se o não é, porque é que ele não destrói este inimigo do homem?

Eu disse que o Hinduísmo ignora o problema da razão pela qual a alma individual se separou de Deus, a fim de entrar num processo de evolução. Para ser mais exacto, devo, no entanto, acrescentar que foi dada uma resposta a essa questão, mas que é a mais surpreendente que se pode conceber. Há um famoso hino, no Rigveda, que descreve a maneira pela qual o universo, e com ele as almas individuais dos homens, emanaram de Deus. Quando se pergunta porque é que emanaram, o hino conclui: «Pode ser que o próprio Deus não o saiba.» Esta é a resposta mais ousada que pode ser dada por uma filosofia que pretende revelar as verdades de Deus.

Na filosofia sufi, no entanto, há uma resposta muito mais sugestiva: como Deus é Beleza, e como é natural que a Beleza se manifeste desta forma, Deus, para contemplar a Sua própria Beleza, criou um Universo para ser um espelho de Si próprio. Há uma outra resposta, ainda mais filosófica, que tem sido sugerida pela Teosofia: no início da evolução, a alma, embora na realidade una com Deus na sua natureza e essência, não conhece plenamente esta verdade. A alma é, de facto, a Consciência Divina, mas não tem uma verdadeira compreensão da sua Divindade, como Deus tem. Assim, para se tornar consciente da sua própria Divindade, a alma entra voluntariamente no processo de evolução, para que, através da experiência do bem e do mal, do sucesso e do fracasso, possa conhecer os seus atributos divinos, não só como realizáveis, mas também como plenamente realizados.

Quando a alma «desce à matéria», como diz a expressão técnica, ela abandona a sua morada espiritual durante algum tempo e entra no mundo material. A partir desse momento, fica sujeita às leis da matéria.

A alma do homem pode ser imortal, mas se esta alma se instala num corpo material, é necessário que mantenha o seu corpo físico na mais perfeita saúde, de acordo com as leis de saúde do mundo físico. Do mesmo modo, a partir do momento em que a alma desce à matéria, está sujeita à lei do Karma, isto é, a colher o que semeou. Nunca pode fugir às consequências dos seus actos; uma vez que tenha começado a utilizar as suas próprias forças, para o bem ou para o mal, nunca poderá aniquilar essas forças por meio de uma oração a um Deus qualquer.

Uma vez que o resultado de muitas acções, especialmente as que afectam os outros, não é imediato, segue-se que a alma, depois de ter habitado um corpo físico, tem de voltar a ocupar outro corpo, a fim de satisfazer os resultados que são a consequência das suas acções anteriores e que foram adiadas por algum tempo. A alma, portanto, tem de passar pelo processo da Reencarnação, e esse processo continua por muitas centenas de vidas, pois, como a alma colhe apenas o que semeou, ela semeia novamente, e deve, portanto, renascer para colher o fruto do que semeou. Se, depois de ter colhido todos os frutos das suas acções passadas, a alma se recusar a semear novamente, então une-se a Brahman, alcançando assim a Libertação, que é chamada Moksha no Hinduísmo e Nirvana no Budismo.

Mas esta libertação não é alcançada apenas por um acto de vontade; tem de ser o resultado de um longo treino através de uma vida inteira de aspirações para atingir tal estado. Tal como o homem que quer chegar à posse da verdadeira cultura deve começar a sua educação nas escolas Kintergarden ou Montessori numa idade muito precoce, e depois ir para as classes superiores e mais tarde para a Universidade, e depois de terminar a sua carreira, completar os seus estudos viajando ou lendo muito, até mesmo, para se familiarizar com os costumes e crenças de outros povos, assim deve a alma treinar-se, através de uma sucessão de vidas, para a árdua aprendizagem da Libertação. E tal como em qualquer Estado bem organizado se ensina a Ciência da Educação, cujos princípios são aceites por todos, assim também existe uma Ciência da Alma, planeada por Deus. Esta ciência chama-se Yoga.

O conceito hindu de Yoga diz que a alma tem de passar por certas fases para se preparar para a união com Deus. Em cada uma destas fases, é necessário um triplo educador de carácter, nomeadamente, Jnana, que significa Conhecimento, Bhakti, Devoção, e Karma, que é Acção. Os primeiros cristãos costumavam discutir sobre qual era a melhor maneira de servir a Deus, a fé ou as obras. O Hinduísmo diz que ambas são necessárias, mas que, para além disso, é necessário possuir conhecimento. Durante uma vida, a alma pode dedicar-se a alcançar mais conhecimento do que devoção, ou dedicar-se mais à acção do que à contemplação, mas no decurso das muitas vidas da alma, todos os três – devoção, conhecimento e acção – devem ser plenamente desenvolvidos e levados à perfeição.

Os estágios pelos quais a alma deve passar são representados na vida hindu pelas quatro castas e pela quinta, que se sobrepõe a todas as castas. A primeira casta é a dos Shudras, ou artesãos; a seguir vêm os Vaishyas, ou comerciantes; depois vêm os Kshatriyas, guerreiros ou administradores; a seguir os Brahmanes, professores e sacerdotes, e por último os Sannyasins, ou «renunciantes», aqueles que estão fora das organizações humanas e procuram Deus directamente por si próprios, sem o uso de qualquer tradição religiosa ou escritura sagrada.

Cada um destes estados traz um novo atributo à alma, necessário para a grande obra do Yoga. O artesão, através da indústria e da obediência, treina-se para ser exacto no seu trabalho; o comerciante desenvolve a sua iniciativa e o espírito de empresa; o guerreiro, através da sua coragem, desenvolve a sua capacidade de sacrifício, dando até a sua vida por uma boa causa; O sacerdote e o mestre, através da sua devoção ao saber e da sua renúncia, tornam-se um canal harmonioso por onde passam as forças de Deus, e o «renunciante», isto é, aquele que procura Deus acima de tudo, torna-se para cada homem um símbolo vivo da grande verdade da vida: Que Deus e o homem são um e não dois. Para que a alma possa alcançar a libertação, tem de passar por estes quatro estádios, antes de chegar ao quinto, pois a união final com Deus só é possível no quinto estado, quando o sannyasi é colocado fora da organização social das castas e não tem nada que ver com cerimónias religiosas ou outras formas externas de adoração.

Antes de prosseguir, gostaria de explicar que usei a palavra «sacerdote» para designar Brahman, porque não encontro outra palavra mais adequada. Disse, portanto, «sacerdote e mestre», porque o Brahman não é um sacerdote de tipo romano, para o qual, como é sabido, a falta de conhecimentos de ciência, filosofia e artes não é obstáculo ao desempenho da sua função sacerdotal. Existem actualmente na Índia alguns Brahmanes sem instrução que repetem sem compreender os versos sagrados em sânscrito, mas são Brahmanes apenas no nome e não representam verdadeiramente o elevado ideal de cultura que um verdadeiro Brahman deve possuir.

No conceito hindu de vida, a evolução do homem ocorre aos poucos, de modo que, pelo menos em teoria, apenas aquele que pertence à casta mais elevada, ou seja, um Brahman, é realmente capaz de alcançar com sucesso a libertação, quando se torna um Sannyasi. Mas nos tempos actuais, quando a antiga cultura da Índia perdeu muito do seu vigor e as castas não se conformam estritamente com os deveres que lhes incumbem, a ideia de que um homem pertencente a qualquer uma das três castas abaixo de Brahman não pode alcançar a libertação não é aceite. Tal homem pode alcançá-la, mas se o fizer, é porque a sua alma atingiu de facto o nível de Brahman, mesmo que possa ter nascido noutra casta devido ao seu Karma. O princípio primordial, que eu vos quero representar claramente, é que o Yoga, ou a união com Deus, requer um processo científico de construção de carácter, e que há estágios no Yoga, tão rígidos como pode haver em qualquer curso universitário.

O homem que está determinado a praticar o Yoga deve possuir um carácter que se aproxima muito da perfeição. Qualquer um pode realizar as práticas menores do Yoga, especialmente certos exercícios físicos, como o controle da respiração, e exercícios mentais como a meditação, – mas tudo isto é apenas o á-bê-cê do ensinamento do Yoga. O verdadeiro Yoga requer a posse de um carácter forte e puro, e é por essa razão que existem muito poucos verdadeiros Yogis em qualquer época. Todos os homens podem aspirar a alcançar a união com Deus, mas a grande maioria tem de esperar muitas vidas até que o seu carácter adquira as qualidades necessárias para ser um Yogi. Isto é claramente reconhecido no Hinduísmo, e na vida social hindu existe o que se chama um plano de vida para o indivíduo. Este plano é apenas para as três castas superiores; o comerciante, o guerreiro e o sacerdote, os artesãos e os domésticos são considerados demasiado simples para serem capazes, por enquanto, de fazer qualquer grande esforço espiritual. É claro que em vidas futuras eles nascerão como comerciantes, depois como guerreiros e administradores, e assim por diante até Brahmanes, e depois de terem sido muitas vezes Brahmanes e de terem adquirido um carácter suficientemente purificado, só então poderão começar a realizar o Yoga.

Hindu elephant god statue photo
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O plano indicado para as três castas mais elevadas divide a vida em quatro fases. A primeira começa aos sete anos de idade, quando se realiza uma certa cerimónia em que o cordão sagrado é colocado na criança. Esta operação significa que a alma desce ao corpo para assumir a responsabilidade suficiente pelas suas acções nesse corpo. E é algo semelhante à confirmação dos cristãos. A partir desse momento, o homem é chamado de «duas vezes nascido». Este estado dura até cerca dos vinte e um anos, altura em que se inicia o de período de estudos. Como estudante, o jovem deve viver e servir o seu mestre, levando uma vida estritamente celibatária. O segundo estado é o de chefe de família, quando constitui o agregado familiar, pois o Hinduísmo considera necessário que todos os homens e mulheres se casem. Este estado, de chefe de família, dura até aos quarenta e cinco anos. Quando um homem atinge esta idade (o mesmo se pode dizer da mulher), já cumpriu muitos deveres, sustentou a sua mulher e os seus filhos e, na Índia, também os seus pais; administrou os bens da família e zelou pelo bem-estar de todos os que dependem dele, dos seus parentes pobres, das viúvas, dos órfãos e dos criados dos seus parentes.

A família hindu é constituída por aquilo a que se chama «uma comunidade familiar», pois os bens são propriedade de todos em comum, embora sejam geridos pelo chefe de família, cada membro ganha para a comunidade e a família deve sustentar os que não podem trabalhar, como os idosos, os doentes e as suas famílias. Quando os filhos crescem, o filho mais velho pode assumir a administração de toda a família. Começa então para o administrador a terceira fase, chamada a de eremita ou eremitério. Encontra-se um lugar ao acaso na propriedade da família e constrói-se uma cabana para onde o marido e a mulher se retiram e vivem durante vários anos em meditação. Antigamente, o marido e a mulher tinham muitos deveres a cumprir, incluindo cerimónias religiosas, pelo que não dispunham de tempo material para investigar o motivo dessas cerimónias e o seu significado para as suas vidas. O trabalho quotidiano tinha de ser feito, para que a harmonia da natureza, representada pela colaboração dos Devas, os Anjos, com os homens, pudesse ser preservada em benefício da humanidade.

Mas durante esta terceira etapa passada no eremitério, os esposos estão completamente livres de obrigações religiosas externas. O seu trabalho agora não será a obrigação final de cuidar das coisas materiais, mas tentar compreender o sentido de cada um dos actos que praticaram durante os anos passados a cuidar da casa e da família. Têm de voltar a viver a vida, mas desta vez apenas mentalmente, para verem como o plano de Deus actua na sua vida, na vida dos outros e, sobretudo, no sistema social e religioso em que nasceram.

Depois entram na quarta e última fase. Isso pode acontecer depois de dez ou vinte anos, ou pode acontecer que eles tenham morrido antes. Se viverem, começa para eles a quarta etapa, como Sannyasis ou «renunciantes», pois é isso que se entende por este estado especial. Nesta fase, já não há laços que acompanhem o marido e a mulher, pois nesta quarta fase renuncia-se a tudo para se entregar a Deus, e a alma que o procura tem de se encontrar sozinha e desacompanhada de tudo, seja da mulher, do marido ou do professor. Por isso, quando este estado começa, o marido e a mulher, que atingiram a idade de sessenta anos, separam-se, e cada um segue o seu caminho em busca de Deus. Na maioria dos casos, a mulher fica no eremitério sem voltar a sair, mas geralmente o marido sai, isto se estiver realmente atraído pela vida espiritual. Deixa a sua família e vai vestido com o traje cor de açafrão dos peregrinos. Não leva roupa consigo, mas apenas uma tigela para pedir comida a pessoas caridosas. Com um nome diferente, parte para o mundo, percorrendo as estradas da Índia, visitando os vários lugares sagrados, mas sem ficar muito tempo num só lugar. Pode passar uma noite num mosteiro ou num dos muitos abrigos que são construídos ao longo das estradas para acomodar os peregrinos, ou pode simplesmente dormir na floresta sob a folhagem das árvores. Não leva consigo qualquer tipo de arma, nem sequer para se defender dos animais selvagens, pois Deus chamá-lo-á quando for a sua hora e não há poder na terra que possa antecipar a sua partida. O Sannyasi procura Deus directamente, procura-o ele próprio, pois para ele já não existem escrituras sagradas, nem cerimónias, nem templos, nem orações. Ele está em comunhão directa com a vida, procurando encontrar Deus no seu próprio coração, na vida que palpita na floresta, na vida dos milhões que habitam a terra por onde ele passa na sua peregrinação de «renunciante». E quando chega a hora da sua morte, seja por doença, seja por miséria, seja devorado por alguma fera, seja pela sede no deserto, ele não se entristece ao ver chegar o seu fim, pois sabe que é a sua hora, que Deus o chama por este meio. Encontrará uma magnífica descrição de como um primeiro-ministro se torna Sannyasin, em meados do século XX, na conhecida obra escrita por Rudyard Kipling, para crianças, sob o título de O Segundo Livro da Selva. A história chama-se O Milagre de Purun Dhagat.

Tal como é possível a uma alma elevada encarnar temporariamente, devido ao Karma, no corpo de um homem de casta inferior, também há excepções à regra geral de que um homem só pode ir em busca de Deus depois de ter deixado as ocupações da sua casa e se ter tornado um asceta. Esta excepção ocorre nos casos em que um jovem, no final do seu período de estudos, em vez de se casar e se tornar um chefe de família, se torna subitamente um Sannyasin e vai em busca de Deus no mundo.

Fiz uma breve descrição dos ideais da vida hindu, planeados há muitos, muitos anos, por um legislador que lhes deu um código de leis que dividiu a estrutura social hindu em castas e delineou os deveres de cada casta. Actualmente, este esquema social foi largamente isolado. No passado, o Brahman, o sacerdote e o professor nunca procuraram a posse de riqueza, mas actualmente há muitos Brahmanes que possuem grandes extensões de terra e possuem imensa riqueza. Nos tempos antigos, era considerado uma glória o facto de os Brahmanes, os homens da casta superior perante os quais nem os reis se atreviam a sentar-se sem permissão, serem extremamente pobres. No entanto, algo dessa grandeza ainda permanece na Índia, porque ainda hoje não é pela riqueza que se julga a grandeza de um indivíduo. Entre os nossos compatriotas, e especialmente entre a grande massa do povo, é a santidade do homem ou da mulher que é tida na mais alta reverência e não a riqueza. Veja-se a enorme influência de Gandhi, cujo génio político não é grande (muitas das suas regras políticas foram abandonadas pelos seus discípulos), mas cuja vida é de uma simplicidade tão extrema que suscita a admiração do povo.

E isto apesar do facto de ser um homem altamente instruído que, além disso, viveu a vida da civilização ocidental no seu tempo. É tão pobre em bens materiais como os proverbiais ratos de igreja e, no entanto, é um grande trabalhador para as massas e vive como o povo acredita que os homens santos devem viver. E é por isso que o nosso povo o venera com aquela profunda devoção que é uma das suas qualidades mais nobres.

Mas a velha ordem mudou muito, embora os Brahmanes ainda sejam pobres na sua maioria; no entanto, há alguns que se tornaram ricos, tendo-se dedicado ao trabalho característico da casta dos comerciantes. Por outro lado, temos intelectos brilhantes nas castas dos comerciantes e dos artesãos (Gandhi pertence à primeira), e entre eles há advogados e juízes distintos. Mas, para entender o significado do Yoga, temos de levar em conta o plano do Yoga. O plano original, dado aos hindus pelo seu Manu, e não as derivações desse plano que chegaram até nós através dos tempos.

Compreenderão, pelo que disse sobre a vida ideal do hindu, que na Índia, Yoga significa a ocupação mais elevada possível na vida. Requer a máxima concentração de um coração e mente completamente purificados e, portanto, só é possível para quem está livre dos deveres mundanos. Mas ele deve ser livre, não pela força, mas pelo Karma.

Nenhum homem deve, por um impulso momentâneo, abandonar todos os seus deveres para ir em busca de Deus. E aqui, talvez o motivo mais poderoso da estrutura social hindu entre em acção: Dharma, ou Dever. Nos países ocidentais, devido ao individualismo das pessoas, elas exigem os seus direitos; primeiro os seus direitos, depois os seus deveres. Há um clamor desenfreado por todo o lado. Os trabalhadores pedem o direito à greve, os empregados o direito ao descanso.

Parece estranho que em sânscrito não exista uma palavra para este conceito ocidental de direito; a palavra sanscrítica para ele é dever, e a palavra é Dharma.

A ideia de direitos não aparece na civilização hindu; só agora a estamos a introduzir para resistir ao assalto da civilização ocidental, que está a tentar arruinar a nossa velha cultura.

A nossa cultura baseia-se no dever e não no direito.

O dever do rei é governar e, através do seu governo, deve criar o bem-estar do povo, caso contrário incorrerá em mau Karma. Na Índia, diz-se: «As lágrimas dos pobres minam os tronos dos reis.»

Por outro lado, o artesão tem a obrigação de servir o seu mestre com lealdade, caso contrário incorrerá nos males do Karma. Para todos há deveres a cumprir; o Brahman tem de ensinar e dirigir os serviços religiosos no templo ou em casa; o Kshatriya tem de proteger o seu país e administrar através do governo; o Vaishya tem de acumular riqueza para distribuir por caridade; os Shudras terão de trabalhar e fazer o trabalho que o seu patrão lhes ordenar. Cada indivíduo tem uma obrigação especial a cumprir na sua vida, em virtude de ter nascido numa determinada casta. É assim que a vontade divina actua através do Karma humano, organizando da melhor maneira possível a contribuição de cada homem, a fim de realizar o plano que Deus elaborou para o benefício dos homens. Cumprir o seu dever e ocupar o seu lugar na obra são as duas grandes ideias que formam a nossa estrutura social.

Na Índia, o homem não tem a liberdade de fazer o que lhe parece melhor, nem mesmo de procurar Deus, enquanto não tiver cumprido todos os deveres que o Karma lhe impõe, e só depois de os ter cumprido é que Deus se mostrará sob outra forma.

Durante o tempo em que o hindu tem de se ocupar das suas tarefas domésticas, não pode dedicar-se inteiramente ao Yoga, pois tem demasiados deveres a cumprir, mas durante este período pode preparar-se para o quinto estado, ou seja, o estado de Sannyasi, e deve, por isso, realizar diariamente certos exercícios mentais e emocionais que fazem parte do seu treino. Começa o dia com certas orações e meditações. Estas são feitas em casa e todos os hindus começam escrupulosamente o seu dia de trabalho com algum acto de consagração. O primeiro pensamento que deve vir à sua mente, ao acordar de manhã, é o de Deus, e ele repete os Seus nomes, lembrando-se de que é Ele que está a trabalhar no seu trabalho diário. Depois, o chefe de família deixa o seu quarto e sai para contemplar o sol da manhã, repetindo em voz baixa a oração mais sagrada do hinduísmo, a oração sobre o Deus que se reflecte na energia solar. Todas estas devoções diárias são uma espécie de treino preliminar ao Yoga. Algumas destas práticas incluem o controlo momentâneo da respiração, para desenvolver a concentração da mente e, através da vigilância do corpo, ganhar o domínio sobre as paixões. Mas, em toda a Índia, reconhece-se que a prática do Yoga não é aconselhável, nem possível, para o homem, enquanto ele tiver deveres definidos a cumprir.

Como actualmente alguns dos ensinamentos espirituais da Índia estão a invadir o Ocidente, penso que é necessário falar de certas ideias prevalecentes no Ocidente relativamente ao Yoga. Há muitas pessoas que se intitulam professores de Yoga, tanto nos Estados Unidos como noutros locais, e sei que o seu número está a aumentar na América do Sul. Ensinam várias maneiras de controlar a respiração, concentrando-se na visão das cores e meditando sobre os chakras ou centros das forças ocultas do corpo. Estes professores ensinam Yoga, não para a libertação como na Índia, mas para o sucesso no mundo. Tal como os sofistas da Grécia antiga, que ensinavam os jovens a ter sucesso em público através do desenvolvimento da oratória e da casuística, encontramos na Europa e na América professores de Yoga que cobram muitos dólares por aula e cada aula indica subtilmente como usar os poderes psíquicos latentes no homem para obter sucesso no mundo, controlando os pensamentos e exercendo domínio sobre o temperamento dos outros.

Platão denunciou os sofistas, não por não terem tido sucesso, mas porque estavam a levar a juventude grega a uma concepção errada da sua missão. É exactamente o que fazem hoje alguns dos chamados professores de Yoga. Não ensinam, como deviam, que é muito perigoso para um homem ou uma mulher, que tem de se ocupar dos seus afazeres profissionais ou familiares, perder tempo a concentrar-se nas cores ou nos sons, fazendo exercícios de respiração. Tais práticas pseudo-ocultistas produzem os seus resultados, podem levar ao desenvolvimento de um certo tipo de clarividência e clariaudiência, mas há um facto significativo no Ocultismo que deve ser lembrado, e é que uma vez aberta a porta para o Invisível, não se pode fechá-la.

Durante os quase trinta anos em que me dediquei a dar palestras teosóficas, vi muitos exemplos característicos dos efeitos perniciosos ocasionados pela prática do falso Yoga que é ensinado no Ocidente. Muitos homens e especialmente mulheres vieram ter comigo pedindo ajuda para os sofrimentos que lhes eram causados pelas práticas do Yoga, realizadas enquanto tinham de levar uma vida de trabalho para ganhar o seu sustento diário. Alguns eram quase loucos, outros eram clarividentes, mas não o eram. Estavam rodeados de entidades perniciosas do mundo astral inferior e, por vezes, essas entidades tentavam apoderar-se deles e ocupar os corpos dos aspirantes a Yogis.

Nestes casos, infelizmente, a ajuda que lhes podemos dar é muito escassa, porque o falso Yoga que praticaram enfraqueceu a sua vontade em vez de a fortalecer, a sua vontade tornou-se negativa e, por isso, não podem colaborar no seguimento dos conselhos que lhes são dados para a sua cura.

Tudo isto é horrível, pois é uma variedade de “magia negra”. Se um professor quiser ensinar “magia negra”, não o posso impedir, mas devo levantar fortes objecções a que seja ensinada sob um nome tão sagrado para nós, hindus, como Yoga. Desejo ardentemente advertir-vos contra todas as tentativas de fazer exercícios de respiração e concentração em cores, sons ou objectos, bem como a repetição de fórmulas em sânscrito, hebraico, latim ou qualquer outra língua que não compreendam. Todas estas práticas produzem resultados e, para aqueles que desejam estar convencidos de que existe um mundo invisível, elas fornecerão provas suficientes; mas não tentem realizar estas práticas se tiverem deveres a cumprir, e especialmente se a vossa vida estiver cheia de obrigações ou de trabalho. Tais práticas só irão perturbar as vossas mentes e sobrecarregar os vossos cérebros. As práticas ocultas provocam o funcionamento de novos centros de consciência no cérebro, e isso só pode ser feito sob a supervisão rigorosa, cuidadosa e contínua de um professor experiente. É por isso que, na Índia, o estudante de ocultismo deve viver constantemente ao lado do seu professor e estar sob o seu olhar atento para executar as práticas dos Yogis. Se, ao mesmo tempo, tiverem de usar esse cérebro no trabalho diário e rotineiro das vossas vidas, a tensão nervosa seria demasiado grande e resultaria na dissociação da consciência sob a forma de “dupla personalidade” ou obsessão e talvez insanidade, como já referi. Na Índia, a verdadeira prática Yogi exige o abandono absoluto das obrigações e dos interesses da vida. E apesar destas condições favoráveis, mesmo na Índia são muito poucos os que podem praticar o Yoga.

Ao referir-me a estes fenómenos, mencionarei de passagem um aspecto do Yoga chamado de Hathayoga. Na Índia, são conhecidos dois tipos de Yoga, o primeiro dos quais é o Rajayoga ou «Yoga Real». Este é o sistema que conduz, através da purificação mental e moral, a exercícios de concentração e depois a uma classe mais elevada de meditações e contemplações. Este é o sistema usado pelos maiores mestres da Índia, que ensinam o homem a elevar-se acima das tentações e restrições do corpo e das suas paixões, através da purificação e controlo da mente. Mas há um outro sistema chamado de Hathayoga ou «Yoga da Força». Este sistema baseia-se no domínio do corpo através da sua contenção e “tortura”. São ensinadas práticas extraordinárias sob a forma de posturas corporais dolorosas e extremamente difíceis, tais como manter um membro imóvel e rígido durante um certo período até que este se atrofie. Tais práticas desenvolvem uma enorme força de vontade, mas o carácter de um tal Yogi não é, regra geral, de molde a merecer o respeito dos hindus instruídos. As massas ignorantes ficam encantadas com tais espectáculos, e como estes Hathayogis são puros de intenção e sofreram realmente para o provar, o nosso povo ajuda-os com a sua caridade.

Permitam-me que vos diga qual é a nossa atitude na Índia em relação aos fenómenos psíquicos. Sabemos que, de acordo com as nossas teorias, esses fenómenos são possíveis. Eu próprio já vi um ou dois. Mas também sabemos que um fenómeno prova apenas uma coisa, ou seja, que um acontecimento invulgar pode ser efectuado de acordo com uma lei invulgar da natureza. Há centenas de Yogis que conseguem realizar fenómenos espantosos, tais como atrair magicamente um objecto à distância, transformar cobre em ouro e outros fenómenos fascinantes. Não há muito tempo, vi um homem beber uma colher de ácido nítrico que eu próprio obtive no nosso laboratório químico. Estas coisas acontecem na Índia, mas as pessoas instruídas olham para elas como vocês olham para a televisão. Provavelmente, muitos de vós nunca viram um aparelho de televisão, mas se tiverem um aparelho de rádio em casa, compreenderão o princípio da televisão e verão que não é nada de milagroso.

Também sabeis que não é necessário que um operador de cinema seja um homem de grande moralidade. A ciência e a moral nem sempre andam juntas no caminho do progresso. O mesmo se passa na Índia. Um Yogi pode transformar cobre em ouro; mas isso não prova que o devamos seguir como mestre espiritual. A nossa atitude pode ser ilustrada por uma história que existe no Talmud judaico. Uma vez, um rabino não conseguiu convencer outro rabino com argumentos filosóficos e disse-lhe: «Vou provar-te que tenho razão fazendo a água subir a colina», e assim fez. O outro respondeu-lhe calmamente: «Isso só prova que podes fazer a água subir a encosta, mas não que a tua lógica está correcta.» O mesmo acontece connosco na Índia. A magia prova que existem leis extraordinárias da natureza, mas não nos prova que Deus existe. O Mago pode ser interessante como experimentador, mas as suas qualidades mágicas não fazem dele um mestre da vida espiritual. E na Índia o nosso interesse supremo é encontrar o caminho da união com Deus e, por isso, só então nos interessamos pelas várias formas do seu universo.

Chego ao fim da minha palestra: porque vos falei do verdadeiro Yoga e do falso Yoga? Não é para vos converter ao Hinduísmo, é certo. Mas há ideias tão grandes na nossa antiga civilização hindu que devem ser incorporadas na cultura que estão a construir na América do Sul. Nem tudo na Índia é perfeito, naturalmente, e há lá muitos costumes perniciosos, precisamente porque a civilização é tão antiga que já envelheceu em alguns aspectos, tornando-se rígida. Mas na actual era do intercâmbio internacional, o mais prudente e correcto que cada país deve fazer é seleccionar o melhor que as nações irmãs têm e incorporá-lo na sua própria civilização. É isso que estamos a fazer hoje na Índia. Aceitamos as lições derivadas do vosso progresso material e dos vossos métodos de organização, mas não queremos receber ao mesmo tempo os males da vossa civilização.

Sabemos que a Índia precisa de aceitar a maquinaria para desenvolver o seu comércio e a sua indústria, e estamos a fazê-lo, mas não queremos as outras coisas que vêm, juntamente com a maquinaria, nomeadamente, o capitalismo e a plutocracia, por um lado, e, por outro, a subjugação dos homens em escravos de fábrica. Estamos a produzir grandes homens de ciência, famosos como Bose na Biologia e Raman, Saha, na Física, mas não queremos que o vosso materialismo científico substitua os ensinamentos espirituais dos nossos Rishis. O problema que todos os países enfrentam actualmente é o de saber que coisas seleccionar da cultura das nações irmãs.

Permitam-me que vos indique alguns elementos da civilização hindu que podem ser assimilados por vós. O maior deles é Ahimsa, ou seja, a virtude de não causar dano. Viver no mundo sem fazer mal ao homem, à ave ou ao animal, essa é a virtude chamada de Ahimsa. E não estão todas as outras incluídas nela? Muito em breve, se as nações conseguirem fortalecer a fraca organização actual da Liga das Nações, nascerá uma consciência mundial que construirá uma ordem mundial, para todas as nações. E o espírito de inofensividade, e não o espírito de guerra, ditará a política das nações. Mas será que a Ahimsa não pode ser aplicada de outra forma?

Será necessário que o homem mate os animais que povoam a terra, o ar ou a água para alimentar o seu corpo? Não, pois os grãos vegetais, os frutos e as nozes darão ao seu corpo toda a força de que ele necessita.

O gorila não é o animal mais parecido connosco fisicamente? No entanto, ele é vegetariano e duvido que haja um único homem carnívoro, por mais forte e hábil pugilista que seja, que o possa vencer numa luta. Na Grande Guerra, os soldados hindus, que são vegetarianos, tiveram de combater em países extremamente frios e, no entanto, o seu ardor de guerra não era menor do que o de outros soldados que comiam carne. Não é a carne que dá coragem, mas uma grande ideia.

Outra grande ideia que vos chega da Índia e que podem aceitar cordialmente é a do Dharma ou Dever. O Dharma implica que cada um de nós é necessário no plano divino para contribuir para a realização do Seu plano, com tudo o que temos de força, bondade e beleza. Nascemos numa nação para “dar” a essa nação; somos membros de uma família para dar a essa família; formamos uma irmandade universal para que cada irmão possa dar algo de si a todos os outros. Qualquer que seja a capacidade de cada um, grande ou pequena, a nossa obrigação é sempre “dar”, ajudar a realizar um projecto de Deus; se temos talento intelectual ou artístico, é nossa obrigação consagrar esse projecto ao seu projecto. É possível que, em certos momentos, tenhamos de sofrer, tão grande e profunda é a nossa dor, que não paramos para pensar em nada de agradável para os nossos semelhantes; mas, nesse caso, podemos pelo menos mostrar a nossa resignação e, assim, ajudar os que nos rodeiam.

Dharma significa trabalhar sem ser levado a isso por um impulso egoísta. O Dharma do criado significa que deve limpar conscienciosamente o quarto que lhe foi confiado, não para ouvir as palavras de gratidão do seu patrão, mas porque é o seu Dharma que o deve fazer; é dever do empregado de escritório fazer o seu trabalho de escritório conscienciosamente, não porque espera ser promovido, mas porque é esse o seu dever; É dever do Presidente da República dar o melhor de si ao seu país, não porque espere que lhe ergam uma estátua ou que figure em páginas laudatórias na história do seu país, mas porque é o seu Dharma que o deve fazer, pois o Dharma é a forma como Deus se revela a nós, como se mostra à mente e ao coração do homem.

É assim, de facto, que se pode aprender algumas das coisas da Índia, para se reajustar a Vida a elas. Já disse que, no plano de vida hindu, o homem, a meio da sua vida, deve começar o seu período contemplativo. Não é assim com o homem de negócios do Ocidente. Nos Estados Unidos, por exemplo, como em qualquer outro lugar, um homem deve trabalhar na sua secretária até cair morto em cima dela; se se reformar com saúde de uma tal vida, os seus conhecidos olharão para ele com tristeza, dizendo: «Pobre homem, agora não serve para nada.» O que é que um reformado pode fazer nos Estados Unidos? A única coisa que lhe resta é ir para um sítio onde não seja conhecido, para a Califórnia ou para a Europa, e aí descansar pela primeira vez na sua vida e conhecer outros aspectos da vida para além do comércio. Quanto ao inglês, o grande dramaturgo Bernard Shaw disse que, para o inglês, a vida não lhe traz sabedoria, mas golfe.

Não poderíeis programar a vossa vida, para que, quando chegardes à melhor parte dela – a idade madura, quando as nuvens criadas pelas paixões se tiverem dissipado – vos dedicardes então a viver em íntima comunhão com a vida, com os pensamentos divinos que regem a evolução do mundo? Não poderíamos tornar-nos poetas, artistas ou músicos, se não grandes e geniais, pelo menos modestos e pequenos? Não poderíamos organizar a nossa vida de modo a sermos mais do que escriturários, comerciantes e operários, e em vez de aspirarmos a ser comerciantes afortunados, tornarmo-nos “criadores” afortunados, isto é, criadores de beleza e alegria, no Esquema Divino?

Se o mundo do comércio fosse mais bem organizado, de modo que os homens se pudessem reformar aos cinquenta anos e se dedicassem a escrever poesia ou a ser actores, isso serviria de estímulo e de encorajamento para os jovens que tomariam o lugar dos velhos, e os velhos transformar-se-iam maravilhosamente de homens maduros em novos jovens.

Por último, creio que poderíeis aprender muito com o conceito hindu de Yoga. Ele ensina-nos que o grande Arcano da Vida, a que alguns chamam Deus e outros chamam Solidariedade, Evolução ou Lei Divina, está dentro dos vossos próprios corações e das vossas próprias mentes. Todos os vossos sofrimentos têm a sua razão de ser, se vos derdes ao trabalho de a encontrar; todas as vossas alegrias têm um significado, se o tentardes descobrir; mas esse significado tendes de o descobrir nos vossos próprios corações e cérebros. Contemplar a beleza das vossas praias e parques e perceber que uma parte da sua beleza está, de certa forma, dentro de vós próprios, isso é Yoga. Olhar para os rostos inocentes das crianças e reconhecer que, embora haja em vós um passado pecaminoso, no vosso coração não pecaram, isso é Yoga. Olhar para o pecador e sentir que ele não é apenas vosso irmão, mas que faz parte do vosso próprio ser, isso é Yoga. Ouvir, nas vossas agonias e torturas, a voz Divina que vos dá força! Sentir essa força, mesmo no meio dos maiores fracassos, e quando vos sentis desanimados e à beira do naufrágio na vida. Todas estas sensações maravilhosas não estão reservadas apenas aos santos, mas devem ser experimentadas por cada homem ou mulher que trabalha no mundo e colabora no Plano Divino.

É este mistério estupendo, que significa que Deus e o homem são apenas Um e não dois, que o hindu está constantemente a tentar compreender. E se indagardes e procurardes, não podereis deixar de chegar à conclusão de que o Deus que actua aqui em Montevideu é o mesmo Deus que actua em Benares, e creio que se tentardes compreender este grande Arcano a que os homens chamam Deus, esse mistério, por si só e sem qualquer intermediário, vos falará d’Ele, através do vosso coração, da vossa mente e da vossa intuição.

A vida começará então, pela primeira vez, a ser para vós o que realmente deve ser: uma fonte inesgotável de entusiasmo, de alegria, de consagração.É isto que o Yoga na Índia nos ensina. E é isto mesmo que o Yoga vos pode ensinar, aqui, no Uruguai.

[1] Em português, encontra-se na palavra «jugo».

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