Não deverá o leitor, no entanto, supor que a ciência do Yoga tenha preservado de forma continuada a sua pureza até aos nossos dias; como em tudo o resto, esta foi sendo corrompida. À sua volta foram-se erguendo métodos de natureza mecânica e física, e tal como a mente humana é mais propensa ao erro e ao materialismo do que à verdade e à espiritualidade, estes métodos bastardos são mais avidamente estudados do que os processos mais difíceis da ciência verdadeira. É especialmente isto que ocorre nos nossos dias, quando um crescente número de investigadores começa cada vez mais a voltar a sua atenção para este tema.
De acordo com a Filosofia Esotérica, a parte inferior da natureza do homem, que ele possui em comum com o mundo animal, tem quatro aspectos, viz.: (1) um corpo físico; (2) um corpo subtil, invisível para os nossos sentidos físicos; (3) um corpo, veículo, ou centro, ou sistema de centros, de sensação e desejo; e (4) um princípio vital.
O corpo físico não precisa de ser aqui demasiadamente referido, pois embora a nossa ciência moderna conheça, comparativamente, pouco acerca das funções de alguns dos mais importantes órgãos, a actual classificação minuciosa e exacta da estrutura física do casaco de pele do homem – como é alegoricamente chamada na Bíblia e noutros locais – ultrapassa todo o louvor. A constituição do corpo subtil ou astral e do sistema passional e sensorial é, contudo, de uma natureza e extensão imensuravelmente superior àquela da estrutura física.
As obras Hindus acerca do Yoga, conhecidas como Yogaśāstras, contêm tratados elaborados relativamente à anatomia e fisiologia destes princípios. Podemos obter da sua natureza uma noção algo obscura estudando o sistema nervoso e as funções do corpo físico, mas devemo-nos recordar que na realidade estes são um sistema completo de centros e áreas de força, por assim dizer, e que têm a mesma relação com o corpo físico que a corrente eléctrica tem para com os condutores físicos. As ditas mais recentes descobertas no campo da ciência eléctrica afirmam que uma corrente eléctrica pode ser transmitida de um ponto do espaço para outro sem a condução por fios, e o Yoga afirmou desde tempos imemoriais que o homem pode agir independentemente do seu corpo físico.
Todos nós conhecemos o tremendo poder da electricidade, e muitos de nós conhecem as assombrosas forças que podem ser postas em marcha pela acção do mesmerismo. O Yoga ensina-nos que todo o poder no universo tem o seu poder correspondente no homem, e que não só o princípio vital ou electricidade vital, bem como as forças mesméricas e magnéticas, correspondem a forças idênticas no universo, mas que também o homem pode aumentar estes poderes em si mesmo ao ponto de os elevar ao mesmo grau de vibração que as forças da natureza. Para além disto, à medida que ele põe em acção estas forças, a sua consciência começa a transcender gradual e proporcionalmente aquela da humanidade dita normal, abrindo progressivamente novas visões da vida e de uma existência previamente inimaginável.
Tudo isto poderá parecer, para muitos de nós, excessivamente maravilhoso e inacreditável, mas a verdadeira ciência do Yoga é tão transcendente que eu apenas enveredei por estas explicações por forma a dizer-vos que todos estes poderes e práticas, por mais maravilhosas e extraordinárias que possam parecer, não pertencem ao verdadeiro Yoga, sendo censurados enquanto a mais material, inferior e perigosa prática, pelos mestres de vocação mais espiritual da verdadeira Ciência Divina.
Ainda quando este Yoga inferior é recomendado por aqueles que têm conhecimento prático destas coisas, é dito ao aprendiz que em caso algum deverá ser realizada qualquer experiência sem a supervisão directa de um mestre experiente. No Oriente este conselho é compreendido e seguido por todos, salvo pelos mais imprudentes e ignorantes, pois os Orientais conhecem os terríveis resultados que surgem da interferência com forças que não se podem controlar.
No Ocidente, contudo, o espírito da investigação independente, tão admirável em múltiplos aspectos, gerou sobre a irreflexão uma falsa fanfarronice e uma impaciência aflita e infantil que levou mais à imprudência do que à investigação moderada, especialmente no que toca a temas de natureza oculta.
Bem sei que a vasta maioria das pessoas no Ocidente vai olhar para a posição na qual me coloco como um patético grito de alarme de “lobo!” quando não existe lobo nenhum, ou como uma série de falsidades imprudentes que se baseiam em nada mais do que em afirmações; e que dentro desta maioria existem homens e mulheres detentores de uma inteligência e reputação que eu não poderei nunca igualar. Mas o mais ignorante subalterno da expedição de Stanley sabe mais sobre o Continente Negro do que o sábio que nunca leu a descrição desta expedição, ou ainda mais do que a maior parte dos seus intelectuais leitores.
Quando a maioria das pessoas tiver estudado a teoria do Yoga, a sua opinião será digna de respeito; quando estes tiverem ensaiado a sua prática, as suas opiniões ganharão o direito a serem consideradas, mas nunca antes disto.
Permita-me o leitor tentar explicar o porquê destes perigos a que me referi serem perigos reais e terríveis. A moral não é um sentimento; a ética não é mera rapsódia poética. As doutrinas éticas são fórmulas científicas exactas que descrevem determinados factos e leis da natureza. Os desejos perversos, os pensamentos perversos, as tendências perversas matam e atrofiam o corpo subtil, bem como os órgãos do homem por via da alquimia da natureza; estes transformam os seus fluidos vitais, por assim dizer, e as suas forças internas em dissolventes venenosos e corrosivos, e ainda que a reacção no corpo físico possa não ser detectável por parte dos nossos cientistas que fecham continuadamente os seus olhos à maior parte da natureza humana.
Uma caldeira corroída ou rachada pode ser consertada para guardar água fria, mas uma vez que se pretenda transformar a água em vapor o resultado será uma explosão que não destrói apenas o recipiente mas também leva a destruição tanto a objectos de natureza idêntica como a organismos mais avançados. Eu referi que a forma inferior do Yoga consiste em aumentar a rapidez de certas correntes vitais que atraem a si mesmas correntes correspondentes de uma rapidez semelhante na natureza. Pobre do homem ou da mulher que tente confinar tais forças num recipiente danificado! A doença, a loucura e a morte serão o resultado imediato de tais experiências imprudentes!
Ainda agora vos referi que podemos estar doentes por dentro e ainda assim o nosso corpo físico estar aparentemente de perfeita saúde física; também é verdade que podemos estar fisicamente doentes e ainda assim permanecer puros e saudáveis interiormente.
Peço ao leitor que, por favor, se recorde de que escrevo sobre uma ciência que deve ser conscientemente utilizada, possuidora de um método experimental exacto e determinado que, ainda nos seus aspectos mais inferiores, requer grande esforço e apresenta grande dificuldade. Não me refiro à mediunidade inconsciente e irresponsável que diz respeito a outro método, ou melhor, falta de método, ainda que alguns dos fenómenos mais insignificantes produzidos ou experimentados por ambos os processos sejam idênticos. E é por isto que a forma mais inferior do Yoga é tão massivamente desejada; os resultados, ainda que mais difíceis de obter comparativamente aos da mediunidade, continuam a ser imensuravelmente mais fáceis de alcançar do que os resultados do Yoga Espiritual puro.
Os fenómenos físicos e as visões astrais, ambos de uma natureza deveras extraordinária, podem ser realizados, especialmente quando um mestre fornece as articulações práticas que são invariavelmente omitidas nos livros escritos ou impressos. Mas, a não ser que a natureza inferior tenha sido purificada, nenhum bem ou realização real e permanente poderá ser alguma vez alcançado. Por outro lado, quando a natureza inferior é purificada, as formas inferiores do Yoga nem sequer chegam a ser experimentadas, pois agora a natureza espiritual do homem procura unir-se com o seu Eu transcendente e divino, e não possui desejo por resultados materiais, ainda que estes resultados possam superar imensamente a nossa mais rebuscada imaginação, e tenham que ver com a matéria em inúmeros degraus mais subtis e extensos do que a matéria que conhecemos através dos nossos cinco sentidos.
Posteriormente, é-nos impossível compreender a verdadeira ciência do Yoga sem admitirmos a verdade sobre a reencarnação enquanto um dos factos fundamentais da natureza. Esta doutrina ensina que aquilo a que me referi como individualidade, o “eu sou”, persiste por todo o ciclo de renascimentos, enquanto que a personalidade, o “eu sou eu”, o “John Smith” e a “Mary Jones” de uma curta vida, é imortal apenas naqueles pensamentos e aspirações que são da natureza da individualidade divina. Ora, esta mente inferior, juntamente com a parte animal da natureza humana, é o único agente que se trabalha no Yoga inferior que eu descrevi.
Assim, qualquer que seja a realização alcançada por tais práticas – a clarividência ou clariaudiência astral, a projecção do duplo astral, como é chamado, e mil e um outros mais poderes psíquicos que, até agora, o mundo profano ainda nem sequer ouviu falar – todos estes conhecimentos pertencem à personalidade. Estes não são propriedade permanente de uma entidade reencarnante, e nunca o poderão chegar a ser enquanto este Eu divino for impedido de participar neles devido às ambições e desejos egoístas do homem pessoal.
Por outro lado, o Yoga espiritual puro procura dominar as ondas tormentosas da mente inferior; purificar as chamas de um vermelho semelhante à fuligem e enegrecidas da paixão; tornar a mente inferior no veículo submisso e purificado de uma mente e de um Eu espiritual superior. Os resultados assim alcançados através deste treino moral e exercício mental severo permanecem eternamente na individualidade, e são uma posse segura nos renascimentos sucessivos que nada, excepto um deslize na materialidade e uma servidão voluntária às paixões, pode remover.
O que acabámos de ver é a razão pela qual a mera possessão de clarividência física ou astral e de outras é severamente rejeitada sob o título de espiritual pelos estudantes da Teosofia. A clarividência não é um dom espiritual em si mesmo; ainda que seja verdade que existe uma clarividência espiritual que vê e, no entanto, não vê, e que dá ao seu possuidor um poder no mundo para o bem, que está para além de qualquer logro.
Mas aqueles que têm esta visão divina são, em boa verdade, incapazes de afirmar a sua possessão, pois qualquer reivindicação significaria a sua perda instantânea, salvo se, claro está, a reivindicação for impessoal.
ORIGINALMENTE PUBLICADO NA REVISTA THE PATH, AGOSTO DE 1892. TRADUÇÃO DO AGNIMILE: CÍRCULO DE ESTUDOS ORIENTAIS.