Como poeta, músico, escritor, artista e educador, prémio Nobel da Literatura, Laureate Rabindranath Tagore foi um polímata visionário. Os seus versos, as suas histórias e canções são simples e pessoais mas, contudo, elegantes e profundas. O seu estilo lírico tem a capacidade de focar como uma lupa para capturar os detalhes mais ínfimos da natureza, ao mesmo tempo que lança um holofote pelos céus, para abranger as galáxias mais vastas e magníficas, repletas de estrelas. As suas canções deram voz a cada homem e os seus diversos sentidos revelaram-se para os atentos.
Para explorar o seu legado filosófico com o Círculo de Cultura e a Organização Internacional Nova Acrópole, hospedou a Sra. Vandana Hazra, dançarina de Bharatanatyam, conferencista e escritora. Vandana é um membro da Faculdade da Universidade Rabindra Bharati, assim como da Universidade Visva Bharati University, em Shantiniketan, na Índia.
O seu interesse na poesia e visão de Tagore permitiu-lhe uma bolsa de estudos através do Departamento da Cultura do Governo da Índia, para investigar “A dança clássica e a relevância de Tagore”.
Através de uma apresentação de multimédia que incluiu dança, poesia e canções, Vandana partilhou a sua visão pela sabedoria mística do génio de Tagore.
Este artigo reúne os vislumbres das perceções de Vandara com a minha própria investigação de Tagore, destacando apenas alguns princípios que considerei filosoficamente importantes.
“O homem cuja familiaridade com o mundo não o leva mais fundo do que a Ciência o leva, nunca entenderá o que é que o homem com a visão espiritual encontra nesses fenómenos naturais.” – Tagore[1]
É evidente que Tagore acreditava que uma educação desligada da vida era inútil e que a educação mais elevada era aquela que alinhava o homem à harmonia natural da Vida e promovia a autoexpressão criativa. Ele acreditava que a Natureza na sua generosidade e compaixão era a melhor professora. Por isso, diz Vandana, “a escola que ele idealizou era a céu aberto com crianças sentadas debaixo das árvores.”
“A verdade é silenciosa e é apenas a imaginação que se torna eloquente. A realidade reprime o fluxo de sentimento como uma rocha; a imaginação abre um caminho para si mesma.” – Tagore[2]
“Tagore sentiu que a imaginação ajudava a elevar o nível da própria consciência, da mera fisicalidade da vida”, diz Vandana, sugerindo que, para Tagore, a imaginação era uma ferramenta para conceder às crianças, a liberdade de sair do reino material e entrar num outro mundo que é “mais que verdadeiro”, além das limitações da dualidade do verdadeiro e do falso.
Tagore acreditava que deveria ser permitido às crianças desenvolver e dar total rédea a essa virtude. Para esse propósito ele incorporou histórias, canções, dança, drama, música e arte, como elementos essenciais para alimentar esse crescimento, para começarem a sentir o intangível, o imaterial e o metafísico.
Citando Tagore, Vandana traduz: “Quando percebo que fui convidado para este banquete de celebração que é a Vida, onde as estrelas e galáxias se movem em conjunto, onde a vida e a morte dançam em ritmo, eu percebo que sou uma parte indivisível disso. Logo, eu sou precioso, e por isso me júbilo”.
Essa sensação de “preciosidade” que enfatizou Tagore deve ser percebida e celebrada cedo na vida; trata-se do reconhecimento do valor próprio, sentido e propósito, para contribuir na grandeza da existência. É o que dá força para viver alegremente ou, nas palavras de Tagore, “viver a vida pela orla”, em vez de apenas sobreviver.
“Deixem-me rezar não para ser protegido dos perigos, mas para ser destemido ao enfrentá-los.” – Tagore[3]
Além disso, Tagore não estava a tentar salvar-nos da experiência de dor ou tristeza. Em vez disso, os seus poemas místicos dizem-nos que somos capazes de superar a nossa angústia e vê-la como parte do ciclo da vida. Se nos sintonizarmos e nos integrarmos com a mudança das marés e das estações, balançarmos ao som da música e da harmonia do grande projeto da natureza, nós aprendemos que também somos uma parte interligada do seu magnífico ritmo cíclico.
“O pecado não é uma mera ação, mas é uma atitude de vida que toma como certo que a nossa meta é finita, que o nosso Eu é a verdade derradeira e que não somos essencialmente Um, mas que cada um existe para a sua própria existência individual”. – Tagore[4]
Tagore era religioso à sua própria maneira, única, continua Vandana, “ele estava a tentar encontrar um modo de abraçar não apenas a humanidade, mas todo o universo”. Para isso, afastou-se de rituais que diferenciavam e buscou uma prática inclusiva que pudesse unir todos. Ele compilou as ideias das Upanishads, da Gita, do Brahmo Samaj, de textos budistas, do Cristianismo e do pensamento Ocidental moderno.
Tagore acreditava que o intuito mais alto que o homem poderia aspirar é a união com a Realidade Suprema, e esta foi a narrativa recorrente no cânone filosófico e poético de Tagore. Ele acreditava que Deus não pode ser compreendido pela razão e pela lógica; a sua realidade deve ser percebida através da experiência e da intuição.
“A mesma corrente de vida que corre nas minhas veias, noite e dia corre pelo mundo e dança em compassos rítmicos. É a mesma vida que jorra de alegria pelo pó da Terra em inúmeras placas de relva e que se rompe em tumultuosas ondas de folhas e flores. Sinto que os meus membros se tornam gloriosos pelo toque deste mundo de vida. E o meu orgulho vem do pulsar da vida de Eras dançando no meu sangue neste momento.” – Tagore[5].
“Tagore reconheceu três abordagens à universalidade”, explica Vandana. “Uma delas passou pela capacidade da RAZÃO do homem: As leis da natureza são governadas pela razão, cuja mente humana é capaz de compreender. Portanto, embora não tenham sido ainda descobertas todas as leis da natureza, o homem está confiante de que através da razão, ele pode compreender e tornar-se Uno com a natureza. Mas assim como o mundo se presta a ser entendido pela razão, também o universo pode ser apreendido pelo AMOR: devemos analisar ao separar as coisas, mas quando as colocamos juntas, isso é Amor, a força natural de atração. E, finalmente, há UNIÃO.
Tagore acreditava que é o senso de unidade com o universo que estabelece no homem o sentido de preciosidade da vida para a qual ele nasceu.
“Como podemos deixar de cultivar o sentido de beleza se desejamos ter um homem completo?” – Tagore[6]
Como esteta e mestre de muitas tradições artísticas, Rabindranath Tagore era particularmente sensível à Beleza. Acrescenta Vandana, “Satyam – Shivam – Sundaram” (Verdade – Divindade – Beleza) é uma frase familiar que nos vem da Sabedoria Tradicional Indiana. A Verdade é um conceito filosófico, enquanto Beleza é um conceito estético.
O apelo das artes não é para o cérebro.
É através dos sentidos que assimilamos a Beleza. Tagore enumerou todos os sentidos através dos quais a Natureza está a tentar tocar-te e a chamá-la para si.
Ela atrai-te através das tuas sensibilidades, no esforço de aproximar-te o suficiente, para revelar os seus segredos, a sua verdade. Tagore acreditava que a Verdade se manifestava em si na Beleza, e a Beleza era o caminho para a Verdade.”
“O verdadeiro princípio da arte é o princípio da Unidade.” – Tagore[7]
Tagore recebeu o prémio Nobel da literatura em 1913 e foi nomeado Cavaleiro pelo rei George V em 1915. No entanto, ele renunciou ao título de Cavaleiro quatro anos depois, numa carta ao vice-rei britânico da Índia, protestando contra a desumanidade do massacre de Jallianwala Bagh: “A severidade desproporcional dos castigos infligidos àquelas infelizes pessoas e os métodos de os executar, estamos convencidos, que não encontram paralelo na história de governos civilizados… A hora chegou, em que as distinções de honra fazem a nossa vergonha gritar, nos seus contextos incongruentes de humilhação, e eu, de minha parte, desejo ficar, despido de todas as distinções especiais, ao lado dos meus compatriotas”.[8]
Embora contemporâneos envolvidos nas necessidades da sua era e dos seus compatriotas, duas pessoas não poderiam diferir tanto quanto Gandhi e Tagore – o asceta frugal e frágil e o poeta aristocrático com as suas vestes esvoaçantes e barba. Ambos eram publicamente adorados pelos seus princípios e pelos seus sistemas de crenças e os dois trouxeram reconhecimento e admiração à Índia no palco do mundo, contribuindo para o seu país através de dedicação, sacrifício e exemplo pessoais. Contudo, eles discordavam veementemente em muitas coisas.
“Swaraj (autogoverno) não é uma questão de mera autossuficiência na produção de tecidos. O seu verdadeiro lugar está dentro de nós, a mente com o seu poder diverso continua a construir swaraj para si mesma.” – Tagore[9]
Embora se debatessem incessantemente e escrevessem artigos que se contradiziam, a sua amizade permaneceu intacta. Vandana explica: “O respeito mútuo e a veneração de um pelo outro fez Gandhi atribuir a Tagore o título de Gurudev (Professor Divino), enquanto que foi Tagore quem primeiro chamou Gandhi de Mahatma (Grande Alma), quando este foi preso no rescaldo do Massacre de Jallianwala Bagh.”
“O patriotismo não pode ser o nosso abrigo espiritual final; o meu refúgio é a Humanidade. Não vou comprar vidro pelo preço de diamantes, e nunca permitirei que o patriotismo triunfe sobre a Humanidade enquanto eu viver”. – Tagore[10]
Opostos em tudo, à exceção do espírito, Gandhi e Tagore influenciaram a Índia de forma muito diferente. Diz Vandana, “Gandhi não estava envolvido com a valorização da Beleza. O seu estandarte eram as lições a serem aprendidas através da purificação, da disciplina, das dificuldades, do jejum. Ele estava preocupado com as atrocidades infligidas aos seus compatriotas e compelido a tornar-se um líder que despertou um país para a ação. Tagore foi um homem de pensamento, um criador de formas, de pinturas, músicas, histórias e o seu foco era a liberdade do Eu. Embora os seus temperamentos opostos e sensibilidades os tenha levado por caminhos diferentes, ambos estavam unidos na paixão pela busca da Verdade. Cada um estava a tentar acender uma luz diferente, como no livro ‘A Verdade chamou-os de forma diferente’.”
Vandana concluiu: “Tagore foi um grande ser humano, moderno, inclusivo, acessível e disponível para todos nós. Ele separou astutamente o melhor da nossa herança antiga, pegou o que era pertinente e compreensível e excluiu o que poderia levar a más interpretações. As nossas escrituras e os textos religiosos são importantes não necessariamente pelas respostas que dão, mas pelas questões que levantam. Cada geração tem que preservar essas questões, e cabe às pessoas de diferentes épocas tentar responder-lhes, de acordo com a sua compreensão de vida naquele momento”.
Este foi então o presente de Tagore para nós. Ao que parece, ele estava convencido de que a Vida nos fornece muitas oportunidades para se expandir para espaços maiores de consciência. Mas às vezes os véus que carregamos impedem-nos de reconhecer e aproveitar esses momentos. O seu legado é um trabalho prolífero para nos sensibilizar para esses momentos, na esperança de que funcionem como um impulso para nos levar um passo adiante na evolução de nossa consciência.
[1] Tagore, Rabindranath. Sadhana – The Realization of Life. Prabhat Prakashan. (2018).
[2] Tagore, Rabindranath. The Complete Works of Rabindranath Tagore. General Press. 2017.
[3] Tagore, Rabindranath. The Complete Works of Rabindranath Tagore. General Press. 2017.
[4] Tagore, Rabindranath. Sadhana – The Realization of Life. Prabhat Prakashan. (2018).
[5] Tagore, Rabindranath. The Complete Poems of Rabindranath Tagore’s Gitanjali. S.K. Paul. Sarup & Sons. (2006).
[6] Tagore, Rabindranath. On Art and Aesthetics. Orient Longmans. (1961).
[7] Tagore, Rabindranath. On Art and Aesthetics. Orient Longmans. (1961).
[8] Tagore, Rabindranath. Selected Letters of Rabindranath Tagore. Edited by Krishna Dutta & Andrew Robinson. Cambridge University Press. (1997).
[9] Dalton, Dennis. Mahatma Gandhi: Non-violent Power in Action. Columbia University Press. (1993).
[10] Tagore, Rabindranath. Selected Letters of Rabindranath Tagore. Edited by Krishna Dutta & Andrew Robinson. Cambridge University Press. (1997).