Vipassana: Experiência de Impermanência

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Há 25 séculos, no Norte da Índia, um homem desolado pela quantidade e pervasividade do sofrimento humano no mundo, resolveu encontrar uma solução. A sua investigação levou-o a muitos mestres, conhecimento abundante e uma panóplia de técnicas para investigar a Verdade e a Realidade, até que, finalmente, ao atingir a iluminação, dedicou o resto da sua vida a ensinar as pessoas a saírem da miséria.

O Buda, que nunca afirmou ser nada além de humano, começou a ensinar, e várias centenas de anos depois, as suas palavras foram compiladas no Dhammapada, ou “aos pés do Dharma”, a Lei Universal da Vida. Ele ensinou que o sofrimento é causado pelo desejo, aversão e ignorância, e que a raiz de todo o sofrimento está dentro de nós. Como muitos sábios, Buda insistia que só se conhecendo a si mesmo era possível confrontar a verdade essencial, para além dos véus do nosso próprio esquecimento.

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Um aspeto crucial do ensino de Buda era que a sabedoria recebida de outro era sabedoria emprestada e permanecia dentro do plano intelectual, mas a sabedoria destilada da própria experiência tinha o poder de nos transformar verdadeiramente. Nenhuma conscientização alheia da verdade pode libertar-nos. O que quer que esteja fora de nós permanece à distância. A verdade só pode ser experimentada diretamente dentro de nós mesmos.

Ainda que os ensinamentos do Buda tenham tomado muitas expressões em diferentes tradições em todo o mundo, uma das contribuições inestimáveis para a humanidade, de acordo com o Cânone Pali, foi um método extremamente prático para experimentar a realidade diretamente: uma técnica de meditação antiga chamada de Vipassana Bhavana, ou “entendimento sobre a verdadeira natureza da realidade”. A palavra passana significa “ver”, e vipassana em Pali significa “ver dentro”, “ver através”, ou “ver as coisas como realmente são”.

A Vipassana é a técnica de observar desapaixonadamente as sensações do corpo, mantendo uma calma ou tranquilidade persistentes que resultam numa crescente consciência, em última instância, por penetrar profundamente na consciência da verdade universal.

Por que o Buda escolheu as sensações como o veículo com o qual entrar na mente? Como explicado no Satipatthana Suta, é através das nossas sensações que experimentamos a realidade. Os nossos sentidos são as portas através das quais experimentamos internamente o mundo externo. Além disso, as nossas mentes geram ideias, pensamentos, emoções e memórias que enriquecem e aprofundam a nossa experiência de vida.

As sensações são, então, o ponto onde se encontram os aspetos físicos e mentais de nós mesmos. Observando as nossas sensações físicas, podemos observar as nossas mentes.

As sensações estão presentes em todo o corpo a cada momento. A ciência moderna diz-nos hoje que cada ação ou experiência produz reações bioquímicas dentro do nosso corpo, reações das quais normalmente não temos consciência.

A Vipassana fortalece a nossa consciência o suficiente para experimentarmos até as sensações mais subtis, e percebermos que elas surgem e desaparecem constantemente, originam-se e cessam.

Este é o início do entendimento da IMPERMANÊNCIA. Através da prática diligente aprende-se a não reagir a estas sensações instintivamente. Ao contrário, um praticante aprende a manter a equanimidade através de todas as sensações, grosseiras ou subtis, agradáveis ou desagradáveis.

O Buda ensinou que a mente opera em 4 passos ou processos. A CONSCIÊNCIA ocorre quando a mente entra em contacto com um objeto físico ou mental e recebe um estímulo. PERCEÇÃO é quando a mente reconhece, analisa ou rotula. Com base nisto, é produzida uma EXPERIÊNCIA que, finalmente, culmina numa REAÇÃO. Normalmente, estes processos ocorrem tão rapidamente que desconhecemos os dois processos intermédios. Só reconhecemos o estímulo e a nossa reação.

A Vipassana treina a nossa consciência de modo a permitir-nos separar a nossa mente experimental da sua mente reativa.

Ao manter a serenidade através de todas as experiências, tem-se agora a escolha de exercer uma resposta equilibrada, em vez de uma reação instintiva, condicionada ou emocional. Talvez seja isto que distingue a Vipassana de outras técnicas de meditação. Algumas técnicas usam verbalizações, mantras, cantos ou oração. Algumas técnicas usam visualização, de um arranjo, uma forma ou uma deidade. Muitas destas podem ser eficazes de várias maneiras. Cada uma pode fomentar o centro da mente, focando-a para além do aspeto impermanente ilusivo da vida. Seu objetivo é elevar um para um estado de profunda absorção mental, resultando em leveza ou felicidade, para que se possa sair da experiência restaurado, revitalizado e pronto para enfrentar desafios com vigor renovado. Por muito eficaz que seja, nenhuma destas técnicas por si só oferece uma solução para a angústia.

Treinando a mente através da prática assídua da equanimidade através da dor ou do prazer, a Vipassana oferece as ferramentas para separar a experiência da reação a essa experiência, permitindo que se liberte finalmente das garras viciantes do tormento.

Em teoria, muitas religiões fazem esclarecimentos sobre esta separação. A Gita propaga o desapego aos frutos da ação. A Bíblia pede que “viremos a outra face”. A psicanálise moderna nos pede para “percebermos nossos sentimentos”, tal como os seminários de gestão da ira declaram que devemos “observar” a nossa raiva. A Vipassana oferece uma prática testada no tempo, que ensina sistematicamente como fazê-lo. Quando seguida diligentemente, mesmo que apenas durante os 10 dias de treinamento, permite vislumbres momentâneos, mas inspiradores, de sucesso.

Em todos os momentos das nossas vidas temos sido reativos. Pensamos que estamos a reagir de forma independente. Na realidade, porém, estamos a reagir instintivamente às sensações, e estas reações são produzidas pelo nosso condicionamento passado. Algumas destas reações estão tão enraizadas que somos quase impotentes quando levantam a cabeça.

É no desenvolvimento da consciência e da equanimidade juntas, em igual medida, disse o Buda, que se levará à libertação. A consciência sem equanimidade poderia levar a uma maior sensibilidade à sensação, possibilitando uma reatividade desestabilizadora, enquanto a equanimidade sem consciência poderia resultar em repressão, ocultação ou ignorância residual do sofrimento e das sensações profundas.

Lentamente e diligentemente, à medida que se gradua até ao ponto de não-reação, por mais momentâneo que seja, inicia-se o processo de purificação da mente. Praticando a compostura diante de sensações desagradáveis começa-se a erradicar a aversão. Praticando a tranquilidade face a sensações agradáveis, começa-se a fortalecer-se contra o desejo. Ao se praticar a serenidade perante as sensações neutras, começa-se a eliminar a ignorância. Isto a experimentação da verdade do sofrimento e a verdade da cessação do sofrimento no âmbito do nosso próprio corpo; nossos corpos testemunham a verdade da transição.

Foto de Nathan Hughes Hamilton para Flickr. Licença Creative Commons Attribution 2.0. Generic

Diz-se que as últimas palavras do Buda aos seus discípulos foram: “Todas as coisas criadas estão sujeitas à decomposição. Pratiquem diligentemente para perceberem esta verdade.”

Apenas aprender a técnica da Vipassana não pode conceder serenidade, tal como aprender a técnica de navegar não pode garantir águas calmas. Enquanto houver reflexos condicionados dentro do nosso subconsciente, por muito fortes que seja a nossa determinação, eles, por vezes, dominar-nos-ão. A única solução real é usar esta técnica para nos mudarmos a nós mesmos. Ao mergulharmos escrupulosa e diligentemente ao interior para desenvolver a consciência e a equanimidade ao mais profundo nível, e aplicando esta prática no nosso dia-a-dia, a Vipassana torna-se uma ferramenta para observar a realidade como ela é, não apenas enquanto meditamos, mas em cada momento.

Para um experiente praticante da Vipassana, a perceção inequívoca e tangível da impermanência do mundo, tudo nela e dela, incluindo o que chamamos de Ego, é a chave para a libertação. Só um ser humano tem o poder de compreender esta verdade. Nenhum outro ser vivo no planeta tem as faculdades que permitem este salto. O Buda mostrou-nos que somos, com prática assídua, capazes de alcançar a iluminação. O dom dos seus ensinamentos, os seus sacrifícios, e a sua crença inabalável no potencial humano, tornam imperativo que dêmos alguns passos em direção à nossa própria evolução. Não o fazer seria negar o nosso magnífico potencial como seres humanos, um trágico desperdício de oportunidades não realizadas.

Manjula Naravati

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