O primeiro desses “sete capítulos” foi tentado e agora está concluído. Por mais incompleta e fraca que seja como exposição, aproxima-se de todas as formas – matematicamente falando – ao que constitui a base mais antiga de todas as cosmogonias subsequentes. Ousada é a tentativa de expressar numa linguagem europeia o grande panorama da Lei que eterna e periodicamente se manifesta, Lei impressa nas mentes plásticas das primeiras Raças dotadas de Consciência, por aqueles que a refletiam da Mente Universal. É uma tarefa ousada, porque nenhuma língua humana, exceto o sânscrito —que é a dos Deuses— pôde fazê-lo com algum grau de precisão. Mas, considerando a intenção, devem ser perdoados os defeitos da nossa obra.
Como conjunto, nem o anterior nem o seguinte se encontrará na sua totalidade em parte alguma. Não é ensinado em nenhuma das seis escolas hindus de filosofia, pois pertence à síntese das mesmas, à sétima que é a Doutrina Oculta. Não está localizado em nenhum papiro egípcio deteriorado nem gravado em qualquer ladrilho ou muro de granito assírio. Os Livros do Vedanta – a “última palavra do conhecimento humano” – fornecem apenas o aspeto metafísico desta cosmogonia do mundo e seu tesouro inestimável, os Upanishads – sendo Upa-ni-shad uma palavra composta que significa o domínio da ignorância pela revelação do conhecimento secreto e espiritual – requerem hoje a posse de uma chave mestra para que o estudante possa fazer-se possuidor do seu significado pleno. A motivo disto, arrisco-me a expor aqui, assim como aprendi do meu Mestre.
O nome Upanishad é geralmente traduzido como “doutrina esotérica”. Esses tratados fazem parte do Shruti ou Conhecimento “revelado”, estão geralmente unidos a porção brâhmana dos Vedas, como a sua terceira divisão.
[Ora bem] os Vedas têm um significado diferente e duplo: um expresso pelo sentido literal das palavras, a outra indicada pelo metro e o svara (entoação), que são como a vida dos Vedas … Sábios, pandits e filólogos negam, é claro, que o svara tenha algo a ver com filosofia ou antigas doutrinas esotéricas, mas a misteriosa conexão entre svara e luz é um de seus segredos mais profundos.
Existem 150 Upanishads enumerados pelos orientalistas que consideram como os mais antigos escritos, provavelmente, 600 anos antes da nossa era. Mas, quanto aos textos genuínos, não existe nem a quinta parte daquele número. Os Upanishads são para os Vedas o que a Cabala é para a Bíblia judaica. Expõem e explicam o significado secreto e místico dos textos védicos. Falam da origem do Universo, da natureza da Divindade e do Espírito e da Alma, bem como da conexão metafísica entre a Mente e a Matéria. Resumindo: CONTÊM o princípio e o fim de todo o conhecimento humano, mas pararam de o REVELAR desde os dias de Buda.
Por não ser assim, os Upanishads não poderiam ser chamados de esotéricos, desde o momento em que encontram hoje bem à vista, unidos aos Livros Sagrados Brahmanicos, que nos nossos tempos se tornaram acessíveis, mesmo para os Mlechchhas (os sem casta) e aos orientalistas europeus. Uma coisa existe neles – e encontra-se em todos os Upanishads – a qual invariável e constantemente indica a sua origem antiga e prova: (a) que algumas das suas partes foram escritas antes que o sistema de castas se tivesse convertido na instituição tirânica que existe hoje; e (b) que metade dos seus conteúdos foram eliminados, enquanto que alguns deles foram reescritos e resumidos
“Os grandes Mestres do Saber superior e os brahmanes são sempre representados como indo aos reis Kshatriyas (classe militar), para converter-se em seus discípulos”. Segundo o Professor Cowell observava pertinentemente, os Upanishads “respiram um espírito completamente diferente (de outros escritos brahmánicos), uma liberdade de pensamento desconhecida em qualquer obra mais antiga, exceto nos próprios hinos do Rig Veda”. A segunda situação explica-se por uma tradição registada num dos manuscritos sobre a Vida de Buda. Diz-se que os Upanishads foram originalmente unidos aos seus BrâhmanAs, desde o princípio de uma reforma que conduziu ao exclusivismo do presente nas castas entre os brahmanes, poucos séculos após a invasão da Índia pelo “Duas vezes nascido”. Naqueles dias estavam completos e eram usados para a instrução dos Chelas que estavam a preparar-se para a Iniciação.
Isto durou enquanto os Vedas e os Brâhmanas permaneceram como a única e exclusiva propriedade dos brahmanes do templo, enquanto mais ninguém tinha o direito de estudá-los ou até mesmo lê-los, exceto a classe sagrada. Depois veio Gautama, o Príncipe de Kapilavastu.
Depois de ter aprendido a totalidade da sabedoria brahmánica nos Rahasya ou os Upanishads, e visto que os ensinamentos diferiam pouco ou nada dos “Mestres da Vida” residentes nas nevadas montanhas dos Himalaias2, indignado o Discípulo dos bramanes de que a Sabedoria Sagrada fosse negada a todos, exceto a estes, decidiu salvar o mundo, popularizando-o.
Então, vendo os brahmanes como o seu Conhecimento Sagrado e a Sabedoria Oculta poderia cair nas mãos dos mlechchhas, abreviaram os textos dos Upanishads que originalmente continham três vezes o assunto dos Vedas e Brâhmanas juntos, sem alterar, no entanto, uma palavra dos textos. Rasgaram simplesmente dos manuscritos as partes mais importantes, que continham a última palavra relativamente ao Mistério da Existência.
Desde então, a chave do código secreto brahmánico permaneceu somente na posse dos iniciados, e os brahmanes ficaram assim em posição de poder negar publicamente a exatidão dos ensinamentos de Buda, apelando aos seus Upanishads, silenciado para sempre sobre as principais questões. Tal é a tradição esotérica, mais além dos Himalaias. Sri. Shankarâchârya, o maior iniciado vivo neste período histórico, escreveu muitos Bhâshyas (Comentários) acerca dos Upanishads. Mas os seus tratados originais, como há razões para supor, ainda não caíram nas mãos do Filisteus; porque são preservados com excesso de zelo nos seus mosteiros (mathams). E ainda existem razões muito mais importantes para nos fazer acreditar que o inestimável Bhâshyas sobre a Doutrina Esotérica dos brahmanes, pelo maior dos seus expositores, permanecerá sendo, por séculos, a língua morta para a maioria dos hindus, exceto para os brahmanes Smârtava.
Esta seita, fundada por Shankarâchârya, que ainda é muito ponderosa na Índia Meridional, é atualmente a única que produz estudantes com conhecimento suficiente para entender a língua morta dos Bhashyas. A razão para isso é, segundo me disseram, que eles são apenas aqueles que têm em ocasiões verdadeiros iniciados a seu cargo, nos seus mathams, como por exemplo, no Shringa-giri nos Ghâts ocidentais de Mysore. Por outro lado, não existe mais nenhuma seita nesta casta dos brahmanes tão desesperadamente exclusiva, que seja mais do que a Smârtava e a reticência dos seus membros em dizer o que sabem, enquanto às ciências ocultas e a Doutrina Esotérica é somente igualada pela sua altivez e conhecimentos.
1 Ao princípio do Resumo, ao final do livro
2 Também chamados nos Anais Chineses “Os Filhos da Sabedoria” e da “Névoa de Fogo” e os “Irmãos do Sol”. Si-dzang (Tibete) é mencionado nos manuscritos da bilbioteca sagrada da provincia de Fo-Kien como a grande sede da sabedoria oculta, deste tempo imemorável, épocas antes de Buddha. O Imperador Yu, o “Grande” ( 2.207 anos antes da nossa Era) místico piedoso e grande Adepto, diz-se ter obtido o seu Saber dos “Grandes Mestres da Cordilheira Nevada” en Si-dzang.