Por inumeráveis que sejam os seres sensíveis,
Buda
Prometo salvá-los,
Por inesgotáveis que sejam as paixões,
Prometo extingui-las,
Por incomensurável que seja o Dharman,
Prometo investigá-lo.
Por incomparável que seja a verdade suprema,
Prometo atingi-la.
Siddhartha Gautama, o Buda, foi assim chamado, segundo H.P. Blavatsky, porque o primeiro era o seu nome pessoal e o segundo o nome sacerdotal da sua família Shakya; daí o epíteto de Shakyamuni ou o Santo da família Shakya. A palavra Siddhartha dever-se-ia aos seus poderes paranormais e refere-se ao Sidhi; é «O Poderoso», aquele que se completou a si mesmo. Gautama significa literalmente «Pastor de vacas», pois no hinduísmo, a vaca Go é sinónimo do universo e também da Mãe do Mundo.
Buda significa «O Iluminado» e é um qualitativo genérico outorgado a muitos grandes místicos anteriores e posteriores a ele, em todas as línguas da Terra. (Por exemplo, em grego «Christos» tem o mesmo significado, e foi assim que chamaram ao Mestre Galileu a partir do século IV-V).
Podemos considerar a sua existência sob duas chaves: a história e a mítica ou religiosa, não podendo evitar que ambas se confundam na fé dos seus crentes, como aliás sucede em todas as religiões conhecidas.
HISTÓRICA: nasceu no seio de uma família nobre, da Casta Kshatriya ou guerreira, no actual Nepal, no palácio real de Kapilavastu, a uns 50 kms a nordeste da cidade de Benares. As investigações modernas dão-nos a data de 563 a.C., que coincide aproximadamente com as tradições antigas indianas, que situam o seu nascimento entre 600 a.C. e 543 a. C.
O seu pai foi o rei Shuddhodhana, e a sua mãe, a princesa Maya, proveniente de um reino vizinho. Naquela época, a Índia passava por um dos períodos de tipo feudal, ou seja, estava composta por pequenos Estados, à semelhança da Grécia clássica. Shuddhodhana significa «arroz puro» e Maya ou Mayadevi, «Ilusão luminosa». A criança nasceu no mês equivalente ao nosso mês de Maio e destacou-se imediatamente pela sua beleza física e intelectual. Ficou órfão de mãe muito cedo e foi criada pelo seu pai, que casou em segundas núpcias com a princesa Gautami, provável parente próxima de Maya, quiçá a sua irmã mais nova. Siddhartha foi educado, desde os sete anos de idade, pelo mestre Vishvamitra e o seu conselho de anciãos sábios.
O futuro Tathagata, «O Predicador», cedo mostrou um carácter introvertido. Um dos seus mestres descreveu-o assim:
«Os grandes olhos fixos desta criança, que brilhavam sob uma fronte extraordinária abobadada, contemplavam o mundo com assombro. Havia nesses olhos abismos de tristeza e de recordações. Passou a sua infância no jardim sumptuoso de seu pai, no meio do luxo e do ócio. Tudo lhe sorria, mas nada podia afastar aquela sombra precoce que velava o seu rosto; nada podia acalmar a inquietação de seu coração. Era uma daquelas crianças que não falam, porque pensam demasiado para a sua idade.»
Outros fragmentos da época relatam que, forçado pelos costumes a participar em expedições de caça, ao ver voar as flechas, fixava nelas os seus olhos e estas desviavam-se no ar, salvando-se assim o animal. Estes e outros fenómenos a que chamaríamos hoje parapsicológicos, unidos à sua tendência para uma excessiva atitude meditativa, acabaram por alarmar o rei. Preocupado em encontrar um herdeiro mais normal para a Coroa, arranjou apressadamente um casamento com a filha do rei de Koliya, chamada Yashodhara ou também Gopa. Mas o pai da eleita não quis dar a mão da sua bela filha a um «anormal», pois tinha em vista muitos outros príncipes mais amantes da guerra e das competições cinegéticas.
O jovem Siddhartha tinha uma boa figura, e nas poucas práticas de artes marciais em que se viu obrigado a participar, foi sempre o melhor, dava a ideia de não necessitar de mestres para nada, desde o uso do arco à dança e da sobrevivência na selva à composição e execução musical. Mas, para os costumes da época, era muito estranho que um príncipe tão jovem estivesse sempre rodeado de filósofos, santos, cientistas e poetas, menosprezando as vestimentas luxuosas e as belas escravas.
O rei Shuddhodhana, desesperado e ofendido, queixou-se ao seu filho pelo muito que este o fazia sofrer. Siddhartha, como que despertando de um sonho, sorriu-lhe bondosamente, prometendo-lhe que as suas penas iriam acabar. Assim, aceitou medir forças, em qualquer terreno, com todos os aspirantes à mão de Gopa.
Formalizaram-se as justas, nas quais competiriam numerosos príncipes provenientes de vários reinos, pois a princesa era muito bela e muito rica. Começaram por disparar arcos, mas os de madeira, comuns, estilhaçavam-se nas mãos de Siddhartha. O seu próprio pai mandou, então trazer o velho arco do seu avô, o gigantesco rei Sihahanu, que estava depositado num templo, e que requeria vinte homens para o transportar, devido ao seu tamanho descomunal e aos materiais pesados com que fora construído.
Colocado nas mãos dos príncipes, ninguém conseguiu levantá-lo à excepção de Siddhartha, que o fez com um só dedo da sua mão direita. Em seguida, esticou-o facilmente e disparou, acertando na mouche a uma distância incrível. Já ninguém mais quis competir com ele e, após a tradicional festa, casou-se com Gopa. Para o casal, belíssimo e famoso, o rei Shuddhodhana mandou construir três palácios: um de Verão, outro de Inverno e o terceiro no sopé dos Himalaias, para a época das chuvas. (Na Índia antiga, como na Grécia pré-clássica as estações eram três e não quatro).
Assim viveram quatro anos, ao cabo dos quais Gopa deu à luz um menino, a que o seu pai chamou «Rahula», ou seja Cadeia ou Amarra. Depois, Siddhartha regressou à vida ascética e mandou dizer a seu pai, o rei, que tinha cumprido o seu desejo: a dinastia não se extinguiria.
O rei ficou horrorizado quando ouviu a notícia, pois a situação económica do reino era muito precária, debilitada por gastos excessivos e, além disso, os seus belicosos vizinhos estavam a preparar-se para uma guerra entre coligações. Ele próprio sentia-se um pouco velho para conduzir os seus exércitos e, tendo um filho tão excepcionalmente sábio e forte, pediu-lhe que voltasse à normalidade e se preparasse para atacar os seus vizinhos antes que estes se tornassem demasiado fortes. Temia, especialmente, uma invasão do reino de Koshala (efectivamente, cinquenta anos após a morte de Buda, Koshala anexou pela força todo o reino Shakya), mas desta vez, o príncipe não aceitou. A causa desta recusa é vista de diferentes maneiras pelos historiadores: para uns, deve-se a uma razão meramente de ordem moral: para outros, ao facto de o exército dos Shakya estar preparado somente para uma acção defensiva, à qual se tinha dedicado com muito êxito durante quase um século.
Siddhartha tornou-se, pois, monge peregrino (coisa que, em princípio, não podia alarmar demasiado o rei, já que era moda entre os príncipes daquela época). O rei, como os pais actuais, pensou que o filho iria abandonar rapidamente essa obsessão; mas Siddhartha não era um homem como os outros e nunca mais voltou à Corte. Quando partiu, em plena noite, de um dos seus palácios, tinha 29 anos de idade.
Historicamente, o seu rasto perdeu-se e o mito sepulta-o. Aquela era uma época de convulsões políticas, sociais e religiosas na Índia, e muitas correntes pugnavam entre si, destacando-se o Jainismo e a leitura das Upanishads.
Siddhartha peregrinou durante cerca de quarenta e cinco anos e é provável que antes de fundar a sua própria Escola místico-filosófica (que não pretendia ser uma nova religião) tivesse tido contacto com muitos sábios, dos Himalaias até ao Ganges, especialmente com yoguis e faquires, já que estes eram os mais numerosos. Por fim decidiu fundar o Sangha (uma confraria mística) que não contava com mais de uma dúzia de discípulos varões. Este movimento espiritual cresceu rapidamente, pelo que tiveram também de aceitar mulheres. Conta-se que o Buda, ao dar a sua aprovação, fez o seguinte comentário jocoso: «Agora o Sangha durará quinhentos anos menos».
Os dados históricos são cada vez mais escassos. Não há provas de que tenha viajado fora da Índia, embora a sua doutrina cedo se expandisse, principalmente na China. Sabe-se que ao aceitar mulheres na sua Ordem, coisa insólita naquela época, foi acusado de promover delitos sexuais, tendo-lhe valido a sua pureza de vida, a sua aguda dialéctica e a sua condição de ex-príncipe, que o salvaram mais de uma vez da condenação à morte.
No bosque de Kushinagara, debaixo de árvores de sândalo, morreu tranquilamente com a idade de 81 anos. Talvez tenha morrido simplesmente de velhice, embora os documentos mais antigos falem de uma ingestão de javali, e os investigadores actuais, de disenteria (é oportuno assinalar que o javali, animal dedicado a Vishnu, era um símbolo da Sabedoria Divina, da qual o Buda teria «comido» demasiado para continuar a viver nesta terra).
MÍTICA ou RELIGIOSA: Há três textos chamados «Evangelhos» pelos ocidentais, que narram a vida do Buda: um, o Ashvaghosha Bodhisattva, também chamado Buddhacharita; outro, o Mahavastu (Grande História); e o terceiro, o Lalita Vistara, o mais esotérico de todos, pois identifica o Buda com toda a Humanidade e, assim, narrando as anteriores reencarnações do grande sábio de maneira mistérica, ensina sobre o que foi a Humanidade no mais remoto passado, quando habitavam formas animais num planeta que hoje se converteu em satélite, a Lua. Também existe uma biografia escrita tardiamente por Dharmaraya em 308 d.C.
Tomamos com fonte principal o Ashvaghosha, ou versão hindu. Também há versões chinesas, japonesas, coreanas e da escola Zen.
Siddhartha nasceu no segundo dia da lunação de Maio do ano de 621 a.C., no reino de Kapilavastu. O seu pai foi o rei Shuddhodhana e sua mãe Maya, ou Mahamaya (a grande ilusão), que morreu do parto sete dias após o nascimento do Sarvarthasiddha (O Poderoso). A mãe, antes de morrer, fez o rei jurar que se casaria com a sua tia, Mahaprajapati Gautami, e que cuidariam da criança já tida como excepcional, como um Avatara (portador do Ensinamento Divino, receptáculo com aparência humana da Divindade que vela pelos homens, Vishnu).
A criança não nascera como os outros homens, pois, embora os seus pais estivessem casados, o matrimónio não fora consumado por motivos rituais. A Virgem Maya teve a visão de uma forma de Vishnu como filho de Shiva: o deus da Sabedoria, Ganesha. Era um grande elefante branco que lhe roçava o ombro esquerdo, dizendo-lhe que assim ficava grávida e que seria mãe de um Buda. Cumpridos os nove meses deu à luz o Menino. Este, mal nasceu, ergueu-se robusto e deu sete passos na direcção de cada um dos pontos cardeais. Os místicos brahmanes encontraram no seu corpo os trinta e dois signos da perfeição. Conhecida a notícia, vieram adorá-lo magos e reis de longínquos países. Os profetas e astrólogos coincidiram em afirmar que tinha nascido um Avatara e os velhos textos falam-nos da luta interior do jovem príncipe, forçado a viver a vida da corte.
Um capítulo deste Evangelho, chamado «Tédio e Tristeza», diz-nos que o rei, para alegrar o seu filho e evitar que abandonasse o mundo por piedade para com os homens, fazia engalanar as cidades que visitava e retirava da sua vista os doentes, tolhidos e anciãos. Também não lhe permitia ver um morto. À sua passagem, tudo resplandecia de felicidade, juventude, saúde e ausência de tristeza.
O Mestre Vishvakarman, o Ensamblador de todas as coisas já não tinha mais nada para lhe ensinar e o jovem insistiu em visitar uma cidade do seu reino.
Alertado, o rei mandou preparar as ruas por onde o príncipe iria passar, para que a cidade tivesse a aparência de um paraíso terreno, limpa e cheia de gente jovem e bela. Porém, um Devarishi (uma forma de anjo sábio) salvou Gautama do engano, surgindo-lhe, de repente, diante do seu carro de guerra, como velho arquejante; o príncipe perguntou ao seu auriga quem era esse homem encurvado, enrugado e vacilante. «É um velho, senhor», respondeu o cocheiro. Após uma curta reflexão, o Buda perguntou-lhe novamente se esse estado era normal, se o seu pai e ele próprio chegariam a essa decrepitude. Perante a resposta afirmativa, o jovem sumiu-se em obscuras meditações.
Em seguida, o astuto Deva apresentou-se-lhe como um homem enfermo, com o rosto deformado por horríveis cicatrizes provocadas pela varíola e com a pele a cair aos bocados pela lepra. «E isso, o que é?», perguntou-lhe horrorizado o príncipe. O auriga, inspirado pelos Deuses, explicou-lhe que ninguém está livre das enfermidades que ceifam a vida antes de se chegar a velho. O príncipe, face a esta segunda crise, permaneceu de novo fechado sobre si mesmo. O Deva, um pouco mais adiante, fez passar uma caravana mortuária com um cadáver para ser cremado. De novo, Siddhartha perguntou ao seu auriga o que significava aquilo que estava a ver; se o homem dormia, e por que é que estava tão pálido, seguido de carpideiras e de parentes enlutados. Respondeu-lhe o auriga que se tratava de um morto e explicou-lhe que esse é o fim de todo o ser vivo. Perante tal resposta, o jovem teve a sua terceira crise e perguntou: «Por que é que existem velhos, doentes e mortos?». O auriga não lhe soube responder satisfatoriamente e, então, o futuro Buda – pois ainda não tinha alcançado a Iluminação – disse-lhe que só via ignorância nele e que o seu conhecimento não lhe servia de nada.
Quando o rei se inteirou do sucedido, mandou construir três palácios maravilhosos (Subha, Suramya e Ramya), com a intenção de eliminar tais experiências da mente do filho. E procurou para ele uma esposa muito bela chamada Yashodara, filha do rei de um Estado vizinho, Dandapani, a fim de o distrair das suas meditações. Nas provas de competência com outros robustos príncipes, Siddhartha venceu-os a todos com o arco mágico Sihahanu (talvez o deus-leão Indra), que não era usado desde a época dos gigantes, há muitos milhares de anos. Domou um cavalo negro graças à persuasão, sem utilizar o látego (o cavalo era o símbolo dos Poderes Cósmicos), e também atravessou a nado, mais rápido do que qualquer outro, um imenso lago cheio de lótus. Por fim, umas belíssimas formas femininas, chamadas Apsaras, tentaram-no e ele respondeu: «Afastem esses sacos de podridão que estão à minha frente». Um sábio brahmane procurou refutar as suas novas ideias, mas Siddhartha emudeceu-o com a sua enorme sapiência.
Casou, teve um filho a que deu o nome de «Cadeia» e, cumpridas as suas obrigações reais, passando as provas de Terra, Água, Ar e Fogo, partiu uma noite de um dos seus palácios, no seu cavalo Chandaka, o qual voltou para junto do rei e, antes de morrer, pronunciou com dificuldade as seguintes palavras: «Nasceu um Buda». (Chandaka ou Kanthaka era o nome do seu cavalo e também o do seu auriga que antes o tinha acompanhado).
Siddhartha entregou-se então a uma peregrinação interminável e caiu nos mais terríveis ascetismos. Já quase moribundo, passou diante dele uma tocadora de vina (tipo de guitarra com a caixa em forma de alaúde), cantando: «A corda frouxa não dá som, e se está muito tensa quebra as nossas esperanças; no justo meio é quando nos dá a sua harmonia». Siddhartha ouviu-a e compreendeu a mensagem dos Deuses; alimentou-se de arroz e leite e saiu da sua prostração. Em seguida, pediu a um segador um feixe de erva (a sagrada erva Kusha), e sentou-se sobre ela, debaixo de uma grande árvore bo (emblema da Árvore da Vida). Aí, em vigília perpétua, chegou ao seu Verdadeiro Estado de Libertação, fortemente comprometido com a Natureza e a Humanidade. Viu as causas da dor, as doze Nidanas e também o remédio para elas.
Por razões de espaço, apenas faremos um breve resumo. Um elemento fundamental é o Ariya-atthangika-magga, conhecido como Nobre Óctuplo Caminho.
Consta de:
— Conhecimento Recto
— Intenção Recta
— Palavra Recta
— Conduta Recta
— Esforço Recto
— Meios de Vida Rectos
— Pensamento Recto
— Concentração Recta
Após a fundação do Sangha, deu aos «monges» dez Paramitas (virtudes transcendentes) e seis para os laicos.
Ensinou que há dez vícios capitais: três do corpo, quatro dos lábios e três da mente. Estes são: matar, roubar e fornicar; mentir, caluniar, insultar e dizer palavras correctas com intenção incorrecta; o ódio, a inveja e o ateísmo.
A sua doutrina, que se resume no chamado Sermão de Benares, baseia-se na auto-realização do homem. Nem os demónios podem, realmente, rebaixá-lo, nem os deuses elevá-lo, salvo com a cumplicidade ou a colaboração do próprio ser humano. No Budismo não existe a ideia de uma «salvação», nem a de um «Deus pessoal». O homem está preso apenas pela sua ignorância, que o faz equivocar-se e reencarnar inúmeras vezes, buscando a experiência que lhe falta. Deus não desce até aos homens, mas são estes que devem elevar-se até ao divino, onde a Luz é permanente e os lótus não fecham as suas pétalas (Nirvana ou Shangri-la). O Dhammapada (em sânscrito Dharmapada), dir-nos-á:
«O homem que se vence a si mesmo é mais forte do que o que vence mil homens em combate.»
Nirvana significa, literalmente «sair da floresta», ou seja, sair da confusão, das trevas e da pluralidade. É a meta última do homem como tal. Mas não é o fim de tudo, pois, segundo o Budismo Esotérico, para além há mais estados misteriosos que se englobam na expressão «Paranirvana Moksha».
Para Buda, a pessoa (persona) ou quaternário inferior é mortal por necessidade, pois está no tempo e «tudo o que nasce deve morrer». Imortal é o espírito que está para além do eu mental, egocêntrico e egoísta. O verdadeiro triunfo não radicaria, segundo este Avatara, em dominar apenas o corpo, mas também o pensamento e o separatismo do eu… tu…ele, etc. Para poder alcançá-lo realmente, o homem deve sentir a necessidade imperiosa de se libertar do ciclo vida-morte. Enquanto viver apegado à sensação e à ignorância, é melhor deixar para a moral mecânica da Natureza, através das reencarnações, o trabalho de purificação.
Assim, aquele que mais do que um fundador de uma religião foi um filósofo esotérico, criou dentro do milenário Brahmanismo uma revolução ideológica e de costumes, pois os brahmanes, que estavam sujeitos a um cerimonial muito estrito, a um sem-número de superstições e de tabus, foram fortemente afectados por esta corrente de ar fresco que, sem negar a Tradição Interna, desaconselhava passar a vida a fazer cerimónias já vazias de sentido, esperando que os Deuses ajudassem o homem.
Tal como Sócrates, recomendou o «Conhece-te a ti mesmo».
Após a sua morte, os seus discípulos foram perseguidos pela «religião oficial», e só alguns séculos mais tarde, como um Constantino oriental, surgiu o imperador Ahsoka, chamado «o cruel», o qual, em meados da sua vida, abraçou os ensinamentos do Buda, tendo-os imposto no Império de uma Índia que acabara de superar uma das suas épocas de feudalismo. Porém, esta situação não iria durar muito, pois no século VIII surgiu a invasão muçulmana que obrigou a uma nova fragmentação.
O Budismo, agora dividido em Mahayana (o Grande Veículo) e Hinayana (o Pequeno Veículo), penetrou profundamente na China e noutros países do Oriente. As novas investigações afirmam que também se expandiu pontualmente no Ocidente durante o século III a.C., devido aos contactos estabelecidos por Alexandre Magno, o qual deixou igualmente a sua marca no pensamento e na arte hindu através do período «Gupta». Alguns filósofos budistas e brahmanes deambularam pelo Ocidente, pelo menos até ao século I-II d.C., sendo conhecidos como «gimnosofistas».
O Budismo caracterizou-se e caracteriza-se por não ter um, mas muitos chefes espirituais, e por uma grande liberdade de expressão, que o enriqueceu, mas também o debilitou. Até aos finais do século XIX e primeiro quartel do século XX, foi a religião com mais adeptos no mundo, mas a queda da China na guerra civil e a posterior penetração de formas assimiladas do marxismo, assim como a influência ocidental que se reforçou no Japão e em todo o Extremo-Oriente após a Segunda Guerra Mundial, deixou-a num provável terceiro lugar e, como todas as religiões actuais, excepto a muçulmana, tende a perder influência.
Não obstante, nos seus vinte e cinco séculos de vida demonstrou uma grande capacidade de sobrevivência e, salvo no já muito longínquo momento de Asoka, podemos afirmar que é a forma de fé menos inclinada para a violência e para o domínio do mundo material e das riquezas. Salvo raras excepções, como no caso dos Khmeres vemelhos, não se misturou nem se mistura em questões políticas, pois nela prevalece o velho espírito da temporalidade das coisas e da busca individual de uma paz interior a todo o custo, unida a uma grande humildade. O Buda disse: «eu verei as costas do último homem a entrar no Nirvana».
Segundo H.P. Blavatsky, o Budismo, nas suas origens, não teve quase nada de original, pois Siddhartha limitou-se a exteriorizar uma forma de Budismo Primitivo, a Mística da Luz ou da Iluminação, que já existia desde há milhares de anos na zona norte da Índia, especialmente no Tibete. É muito difícil, se não mesmo impossível, provar ou negar esta afirmação.
De qualquer modo, o Senhor do Lótus transmitiu para a posteridade a religião que, de todas as que conhecemos, menos sangue fez derramar. E ainda que só fosse por isso, merece ser bendito.