Se o bater de palmas de duas mãos é assim, qual é o bater de uma só mão.
Em que é que o olhar e o olhado são diferentes, se a mente se converte naquilo que olha?
Sê-lo-ão o caminhante e o caminho? Não se nos ensina que não podes percorrer o caminho até que te tenhas convertido no caminho em si mesmo?
O que julga e é julgado? O que golpeia e é golpeado? E a eterna lei da ação e reação a que Newton deu este nome?
O que ajuda a natureza não se ajuda a si mesmo e o que faz florescer a sua natureza não embeleça o mundo?
A ação faz nascer a reação, mas quando ambos são o mesmo como a canoa que avança no rio movida pela corrente?
Sorriem os Deuses e ilumina-se a alma humana, ou é a luz da alma a que faz sorrir o céu?
A semente morre quando o broto procura a luz no alto, mas nada o empurra. Nada no universo é coisa, nada deixa de ser. Expressa-se ou não, dilata-se na existência ou contrai-se dela.
A palma da mão sozinha não bate, nada interrompe o silêncio e o ar dança em torno e mesmo que nada rompa, serpenteia.
Diz-me qual era a tua face antes que nascessem os teus pais
A minha face verdadeira é a que olho e não vejo no espelho da vida.
Sim, vejo a que o amor dos meus pais forjou. E quem sabe quando nasceram, juntas ambas sorriram.
A tua face verdadeira é a que sorri no Sol e a que se faz ouvir no vento. A que olha na amada, a que reclama no mendigo, a que na dor e na desgraça a ti se aproxima, a que deixas de ver e sentir no prazer, com o seu calor escaldante.
A que na morte abraças pois a ela regressas, a que na vida recordas, mas que em ti trabalha.
Parece que foge mas nunca o faz, como nunca foge a luz da sombra.
Nunca me buscarias se não me tivesses encontrado, disse Cristo a Santo Agostinho, e se encontras Buda ou os Patriarcas, mata-os, disse um sábio zen.
Quando uma árvore cai num bosque faz barulho se não há ninguém para a escutar?
As almas humanas brilham mas de vez em quando há que arder, querem brilhar nas pupilas do mundo! Assim se opacam, por medo que outros brilhem igual ou mais.
Quem vê o seu corpo no espelho não pode ver o infinito que este reflete, e menos ainda o mistério da luz, na sua vida e geometria, e nunca há de adentrar-se na causa e obscuridade que a fez nascer.
E quem sabe uma estrela hoje morreu e, no entanto, tu estarás morto quando chegue aqui o grito com que inundou o espaço. E aqui, que aqui, salvo a si mesmo, não há um único espaço fixo para nada neste mundo?
Tal como os pais cuidam dos seus filos, deverias ter em conta todo o universo (Dogen)
Cuidar dos filhos é um imperativo, um mandato da natureza para os seus pais. Cuidar do filho, ou pelo menos, simplesmente que o filho esteja cuidado, como na terrível resolução do Buda que o levou à selva, querendo socorrer a humanidade inteira.
E cuidá-los é primeiro estar atentos.
Quando a mente com que olhas o mundo não seja o teu mundo, mas o mundo, nos diz Dogen, o mundo estará baixo o teu cuidado, como os filhos dos pais.
E sem a atenção e a sua chama como poderá chegar a tua luz ao mundo inteiro? Como poderias sem ela cuidar dos teus filhos? Como poderias cuidar de ti mesmo? E porque emudece, ante a primeira sombra da tua mente, se ela é a única que poderia afastá-las?
E porque fazes do mendigo ou do ladrão rei de ti mesmo, se o reino de Deus, que como seu filho, te há sido outorgado, espera o teu olhar e ação atenta e bondosa?
Não medites, não golpeies o carro, senão o boi se queres que este avance
Todos os dias e à mesma hora, como um rito sem sentido golpeias e até danificas o carro e o tempo vai mais rápido que o carro pois o boi espera e morre de fome.
Se tu não vais, onde vais tu? Se não há perguntas como encontrarás respostas. Se não morres como queres nascer e viver. Como queres voltar só com a sombra da asa. Se olhas através da fechadura como farás girar a chave nela. Se te olhas no espelho como verás o próprio espelho e se só te vês nele como saudarás quem está ao teu lado.
Dois monges discutiram sobre uma bandeira. Um disse que a bandeira se estava a mover. O outro disse que é o vento que a estava a mover. Perguntaram ao Mestre e este disse que nem o vento nem a bandeira, que é a mente quem se move.
Move-se pelo vento que não vês e que imaginas, à bandeira sim. E da bandeira ao vento.
Toda a causa gera um efeito. Todo o efeito indica a sua causa, mas só a causa que ela mesma é efeito não necessita de uma mente que pergunte e espere resposta.
Que importa à bandeira o vento, até quem sabe só nele encontra a sua plenitude. Que importa ao vento à bandeira, se até quem sabe só nela sente que vive e se move. Mas tu, sem vento, não vês como a bandeira se estende e agita, e sem bandeira nada sabes do vento. E que te importa a soma de ambas. Sim, já sei, te importa a soma das letras porque estas originam palavras que têm sentido. Mas como podes somá-las se sabemos desde crianças que não podemos somar pêras e maçãs? E como podes, sem somá-las, encontrá-las quando “a humidade não é um atributo da água senão a sua própria presença”?
Jose Carlos Fernández
Almada, 15 de maio del 2022