O desprezo pelos pequenos gurus é política tradicional no Oriente, ou seja, por aqueles que adotam a posição de mestres dos outros, quando, na verdade, nem conhecem nem seguiram o caminho para serem aquilo que preconizam.
O caminho inicia e passa por dois eixos fundamentais: a compaixão na multidão; e o trabalho interior na solidão. São dois caminhos complementares, ao fim dos quais uma coisa só existe, pois a compaixão é também o trabalho interior que se faz com vista a melhorar-se para melhor ajudar os outros e, por outro lado, ajudar os outros é mais eficaz quando se faz a partir da visão que a solidão interior provoca nas pessoas, solidão profunda que nos permite ver para além das aparentes necessidades do ser humano e, por conseguinte, encontrar a melhor forma de ajudar o próximo: aquilo que vai direto ao coração interior e que impulsiona a libertação.
O próprio Buda considerou 4 situações: a de quem tinha compaixão pelos outros enquanto se esquecia de si mesmo; aqueles que não ajudavam os outros nem se ajudavam a si mesmos; os que se dedicavam ao desenvolvimento interior, mas que se esqueciam dos outros; e, finalmente, aqueles que aliavam a uma ação externa compassiva para com os outros uma dedicação simultânea e interna ao seu próprio desenvolvimento.
Evidentemente, os seres perfeitos uniriam uma ação compassiva externa e uma meditação interna proveitosa. Porém, Buda também considerava que uma meditação profunda e um trabalho interior era, por si só, bom, sempre que se fizesse com a intenção perfeita de ajudar os outros.
Por outras palavras, da riqueza interior, se não estiver repleta de egoísmo, vem a abundância que se espalha para os outros. Há um velho ditado que diz que “a caridade bem compreendida começa por si mesmo”, porque não se pode dar o que não se tem.
O pequeno mestre acovarda-se perante a imensa tarefa de ensinar os outros e, não podendo enfrentá-la, só tem duas opções: ou reconhece humildemente a sua impotência e se aposenta, ou, na maioria das vezes, movido pela vaidade, arranja desculpas para não ensinar o que lhe foi transmitido e assim inventar novos ensinamentos a partir do seu próprio cérebro torturado.
No entanto, a tradição escolástica secular, seguida por todos os grandes mestres, tem consistido precisamente no comentário e esclarecimento dos ensinamentos recebidos, não na caprichosa ou vã adição pessoal de novas ideias que não estavam no ensinamento original. Mas este trabalho é fruto de horas de esforço e meditação sobre esses ensinamentos, de uma preocupação não só de compreender, mas de pensar em como explicar aos outros as maravilhas que se encontram, ou seja, como partilhar; e então, movido por essa compaixão, pelo desejo ardente de buscar o benefício não só para si, mas para os outros, surge o trabalho externo daquele que ensina.
Em algum momento, em algum lugar, pela primeira vez nesta cadeia de existências humanas, alguém se aproximou humildemente para ouvir atentamente os ensinamentos de um mestre, porque é nisso que tudo consiste. E levou-os no seu coração, e por isso mesmo os praticou, e então encontrou outros seres humanos que não os haviam escutado, e propôs-se, após longas horas de meditação e trabalho interior, a compartilhar o que sabia.
Não importava se eram transmitidos à beira de um rio, ou à sombra de um bosque, nem numa cidade moderna, nem nos desertos, nem se eram organizadas festividades culturais, nem atividades sem sentido, embora apreciadas pelo mundo exterior, mas o que era importante era trabalhar primeiro em si mesmo, estar preparado para dar tudo. Então, leia o que lhe deram, com cuidado, procure o seu significado no seu interior, medite sobre o que aprendeu e, em seguida, com grande humildade, repita o que lhe foi ensinado.