O Katha-Upanishad como livro de Iniciação

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L0027330 MS Indic 37, Isa upanisad. Credit: Wellcome Library, London. Wellcome Images images@wellcome.ac.uk http://wellcomeimages.org MS Indic 37, Isa upanisad. Folio 1r. Published: – Copyrighted work available under Creative Commons Attribution only licence CC BY 4.0 http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

“Alcança verdadeiramente a Sabedoria Suprema, aquele que se vê a si mesmo no Todo”

O Katha é um dos principais Upanishads e com certeza é o mais belo redigido e profundo no pensamento, transbordando as mais preciosas verdades. Como é o caso com praticamente todas as Escrituras Sagradas, que nos fala dos verdadeiros ensinamentos, se lemos ou escutamos as palavras e apenas captamos apenas o seu significado superficial e não vemos como símbolos espirituais e, portanto, experiências místicas. Na minha opinião, o Katha-Upanishad deve ser interpretado de acordo com o seu simbolismo, então, na luz da Teosofia revelar-se-ão a nós muitos factos ocultos e maravilhosas verdades.

O Katha-Upanishad começa com uma narrativa de um jovem rapaz, Nachiketas, que será sacrificado pelo seu pai, um sacerdote Braman, Vajashravasa. Precedendo ao templo, ele questiona ao pai para qual do eterno Deus ele será dedicado e sacrificado; e ele terá de colocar a questão três vezes, antes de a resposta vir:

“Dar-te-ei a Mrityu.”

Mrityu Vaivasvata é Yama, o Deus da morte, Rei da morada da morte, e no significado desta resposta normalmente compreende-se que o rapaz será dado à morte como sacrifício humano (Valli I, Shlokas 1-4). Mas qual o significado escondido nesta introdução?

Em todas as Escrituras lemos sobre sacrifícios humanos similares, inspirado e respondendo à fé e piedosa devoção. O patriarca Abraão foi instruído num sonho para sacrificar o seu único filho Isaac e estava quase a fazê-lo, quando Deus interferiu. Mas neste mito do Antigo Testamento é frequentemente interpretado como um prenúncio do Sacro ofício Supremo pelo Deus, Ele mesmo do seu Filho unigénito, Cristo, que dá forma ao pano de fundo místico do Evangelho da vinda de Cristo à Terra.

Em inúmeras religiões, como também na Católica Romana, há um costume piedoso entre as famílias ortodoxas de que um dos filhos terá de ser oferecido para se tornar um monge ou padre. Porque todos os laços de afeto mundano e relacionamento altamente severos, isto também é visto simbolicamente como se o rapaz é dedicado à morte e entra na morada da morte, para renascer na Região Espiritual e Vida Eterna.

No caso de Nachiketas, é concebível que o pai (espiritual) é um elevado Sadhu, que conduz o seu amado discípulo (“Filho do Mestre”) para Iniciações místicas, que são a morte física para o não iniciado. Há um certo induzimento para tal suposição no significado dos quatro nomes, pelo qual o padre-sacerdote é indicado no Upanishad. Estes nomes são velados normalmente em anagramas, ou títulos místicos ligeiramente modificados, que revelam significados reais. O nome Vajashravasa, pode ser lido como Vidya-Shravaka e então o seu significado torna-se mais claro, “Sabedoria-Ouvinte”. Nas Sagradas Escrituras os nomes são muitas vezes as chaves das portas que escondem tesouros das casas.

Nachiketas tem de colocar a sua questão  3 vezes, porque o seu Gurudeva deverá estar realmente convencido que o seu noviço está pronto para sacrificar o corpo, alma e espírito e não deixará nada para trás.

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O Upanishad continua dizendo que Nachiketas, entrando na Morada da Morte, não se encontra imediatamente com o Rei Yama, mas terá de esperar pelo Poderoso Deva na entrada do seu Palácio Celestial, ele recusa o repouso oferecido pela Rainha Yama e servos. Ele tem de esperar por Yama durante três dias e três noites. Este incidente recorda-nos diretamente do drama místico da Iniciação. Onde o candidato ficou encantado por três dias, para ser levantado no quarto, como Um que conquistou o domínio sobre a Morte.

Tendo submetido Nachiketas às provações nesses três dias, Yama, ao reentrar no Seu Palácio dá as boas-vindas ao rapaz Brahmin como um convidado estimado, e oferece-lhe três dádivas para expiar a Sua aparente incivilidade e inospitalidade. (I.9) Este é o sinal que lemos muito cuidadosamente e atentamente de forma a descobrir atualmente na linguagem simbólica alguns dos segredos revelados ao candidato para Iniciação.

Depois ele tem estado em transe ou semimorte por três dias consecutivos e resistir à tentação para levar os refrescos a ele por entidades menores, Nachiketas o candidato é bem vindo pelo Yama Vaivasvata e honrado como convidado para ser reverenciado. Parecerá que Nachiketas passou a primeira barreira e “entrou o Fluxo” da Vida Espiritual, entrando no palácio de Yama em plena consciência, é bem-vindo por Mrityu como um Srotapanni, um que entrou no Fluxo. A nova faculdade que ganhou é manter consciência no outro lado da morte, sem que seja sujeito à experiência usual de interrupção como outras pessoas. Ele terá a capacidade de proceder continuamente no Caminho Espiritual, onde o comum, não iniciado, a pessoa desencarnada apenas tem a oportunidade de rever as suas experiências passadas e torná-las em capacidades para a sua próxima encarnação.  Um Srotapanni é consciente permanentemente na vida pós-morte como também durante o sono, e lucra com isso de acordo.

A primeira dádiva questionada por Nachiketas é que ele pode retornar ao seu Guru na terra e o Guru aceitará. Esta bênção é garantida. (I.  -). Nós podemos entender isto como a Segunda Iniciação como um Sakridagamin; aquele que tem que voltar a reencarnar uma vez. Nachiketas pede efetivamente para voltar à vida física novamente, mas para ser liberado pelo poder da Morte. Apenas um Iniciado tem o direito e capacidade de determinar antecipadamente as condições da próxima encarnação.

O segundo pedido colocado por Nachiketas é ser instruído nos Mistérios no Rituais Sacrificais do Yoga, pelo qual é capaz de atender o Céu. Yama instruiu-o como se Nachiketas tem de construir um real Altar de sacrifício. Deus diz-lhe precisamente onde o Altar terá de ser erguido, o número de tijolos com o qual terá de ser construído, e a forma que estes terão de ser colocados, a tríplice centelha do Fogo Celestial Primitivo (Virat), que é a primeira emanção de Brahman, a fonte de toda a criação, que habita na mais interior e secreta cavidade do coração (I. 12-15). Nachiketas cumpre todas estas instruções corretamente, que significa obviamente que ele dominava os Mistérios da criação, que fazem parte dos segredos transmitidos na Terceira Iniciação, conforme descrito.

Yama está tão satisfeito com o seu pupilo prometido que, Ele confere-lhe dois desejos extra; primeiro, que a centelha de Fogo Espiritual deve carregar para sempre o seu nome, e segundo, Ele adorna Nachiketas com o Chintamani, a coroa de joias multicoloridas. (I.16).

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Qual será o significado secreto destes presentes? Nachiketas ao formular o seu segundo pedido disse que todo aquele que participa no conhecimento dos Mistérios do Fogo-Yoga Celestial, deste modo torna-se um Jata-Veda, um Omnisciente, um “morador do Céu”, e goza da imortalidade. Nós temos que entender isto em ter a faculdade da consciência em nunca mais estar nublada ou velada pelo processo de nascimento e morte. Tornando-se uma consciência desperta permanente e contínua. Agora isto é precisamente o significado da Terceira Iniciação; o Anagamin nunca mais é sujeito ao nascimento e à morte. Tornou-se Janma-Mrityu, isto é, Nascimento e Morte.

Obviamente não é entendido que o Iniciado nunca mais terá corpo físico, mas a sua consciência tornou-se ininterrupta. Contudo este Fogo-Yoga é chamado, pelo Iniciador, Yama, pelo nome do próprio neófito. Está em perfeita concordância com a máxima que lemos em vários livros do ocultismo, “Porém não podes trilhar o Caminho antes de te tornares no próprio Caminho”. O Fogo Sacrificial, que não é mais que o Caminho Místico, não é só nomeado depois do candidato, mas Nachiketas está unido com e tornou-se ele mesmo o Fogo. Um nome, no simbolismo oculto, ter poder, significa a coisa em si.

Esta centelha Fogo-Nachiketas é:

  1. É o Pranayama-Shakti, aceso por Dharana ou Concentração. É o Fogo da Vida psicológico e biológico em si e a sua combustão são os processos de Experiência, Razão e Compreensão.
  2. É o Kundalini-Shakti, aceso pelo Dhyana ou Meditação. É a magia psicológica do Fogo do Yoga. O combustível é o Sacrifício, Vontade e Conhecimento, ou Kriya, Ichcha e Jnana.
  3. É o Sutratma-Shakti, aceso por Samadhi ou Unificação. É o Fogo Espiritual levando à última Liberação, não sendo a Liberação em si. O combustível é Ser, Consciência e Bênção.

Estes “Fogos” são todos para ser Guhyam, escondido nas místicas cavernas da escuridão e silêncio. O rugido destes Fogos Sacrificiais é a voz conhecida como a Voz do Silêncio, que instruí o neófito como proceder de forma segura no Caminho da Santidade como também como avisos de perigos inesperados.

O colar de joias multicolor claramente é um presente dos Siddhis, que agora são entregues ao Iniciado. Na Terceira Iniciação o candidato recebe todos estes poderes mágicos, sem qualquer esforço da sua parte. “Antes buscai o reino de Deus, e todas estas coisas vos serão acrescentadas.”

Agora chega o terceiro e mais pesado pedido de Nachiketas: ele questiona se o enigma da Morte lhe deverá ser revelado. Claro que não significa alguma palesta sobre vida pós-morte, porque como um sacerdote Brahmin e um alto Iniciado, ele está perfeitamente familiarizado com todos os aspetos da multiplicidade da vida. O que ele quer saber é mais profundo, a solução mais esotérica do problema da eternidade: Qual é o significado da Morte? É Sem dúvida o mesmo problema, apenas formulado de forma diferente, como Siddharta Gautama colocou a ele mesmo, quando ele meditava debaixo da árvore Bodhi em Gaya: Qual o significado de Tristeza? E a resposta para este mistério apenas é encontrada na Liberação Espiritual.

Rei Yama Mrityu Vaivasvata foge de responder a esta questão suprema e tenta desviar a ambição do seu discípulo oferecendo-lhe muitas vezes presentes atraentes e tentadores; de facto, oferece-lhe todas as coisas imagináveis na perspetiva do homem. Pelo contrário, ele propõe a Nachiketas aceitar três outros desejos, se ele desejaria deixar este profundo Mistério sozinho. Yama oferece-lhe riqueza incalculável, honrarias, poder e esplendor infinito; mas Nachiketas está firme no seu pedido. Yama oferece-lhe supremacia acima de todos os reinos na terra; mas Nachiketas acena para eles como nada. Yama oferece-lhe imortalidade física, poder celestial, Devas e Ghandarvas como seus companheiros e serventes, mas sem sucesso. Isto não nos recorda a tentação de Jesus por Satanás, antes de Jesus iniciar a Sua carreira como Professor da Humanidade? O diabo também oferece três bênçãos, se Jesus abandonasse a Sua missão. “E (Satanás) disse-lhe, Todas estas coisas Eu te dou, se caíres, te baixares e me adorares” (Mat., IV. 9). Obviamente é um paralelo e pode ser traçado muito longe até.

Que tentações são estas? Elas não são as moradoras no limiar, o nossos mais profundos sentimentos e fraquezas secretos, que tomam forma e tentam render o Iniciado de conquistar o cume da Liberação?

Porque Nachiketas, como Jesus fez anos depois, permanece firme, Yama Vaivasvata decide revelar a resposta à sua questão. É completamente impossível colocar este Mistério Inefável em palavras e, portanto, não devemos olhar para qualquer definição ou resposta formulada ou instrução. Yama diz isto diretamente no segundo e terceiro capítulo do Upanishad, que Yama dá uma explanação, é tão profundamente mística que um leitor comum não estará apto para ver qualquer revelação. É como vaga e indefinida como os versos de Tao Teh King, ou a leitura final da Bhagavadgita, ou os dizeres místicos do Budismo Zen. Se não nos conseguimos sintonizar com a atmosfera espiritual do Katha-Upanishad a leitura e estudo não serão proveitosos para nós. Ficaremos apenas confusos e desnorteados, como tem sido a maioria das traduções ocidentais que nos têm dado deste Upanishad. Mas se nós aceitamos os ensinamentos do Yoga sobre a nossa consciência como a Teosofia e o Vedanta nos dão, e temos um pouco de experiência e entendimento sobre os estados de consciência Turiya e Samadhi, então o Katha-Upanishad torna-se, sem dúvida, uma fonte verdadeira de luz, uma mina inesgotável das mais bonitas pedras preciosas da Sabedoria Oriental, e um livro incalculável de instruções ocultas.

E então, na minha opinião, o Katha é talvez outro dos Livros de Iniciação velado, tal como A Voz do Silêncio, Luz no Caminho, A Revelação de São João, o Livro de Jesaja, e no grau superlativo da Bhagavadgita, a “Canção do Senhor”

J. H. Van Leeuwen

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MACROCOSMOS E MICROCOSMOS

Quando o tempo começou e Deus desceu;

E Verbum caro factum est,[1]

Quem viu no homem o Deus, ascendeu

Pelo próprio caminho de Deus até o seu próprio descanso de Deus.

A cada dia a Missa Sagrada é falada

Por aquele que saúda no homem o Deus;

Na sua humilde carne ele carimbou o seu símbolo,

Quando uma vez a terra como homem Ele pisou.

Quem o pecador rapidamente abraça

E Hoc est Corpus Meum’[2] diz,

Ele mantém o fio de todos os labirintos da vida,

Ele saúda com alegria os magníficos caminhos da Palavra.

C.J.


[1] A frase latina no Credo dos Apóstolos, “A Palavra foi feita carne”, que afirma o mistério da Encarnação Divina.

[2] As palavras Latinas da consagração significando “Este é o Meu Corpo,” usado por Jesus Cristo quando instituía o sacramento da Sagrada Eucaristia.

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