Dizem que, aproximadamente uma em cada cinquenta pessoas, sofre de alguma forma de daltonismo. Algumas são totalmente cegas ao vermelho, ou seja, aquelas que não vêem o vermelho, mas uma sombra verde; algumas são cegas ao verde e, em vez do verde, veem amarelo pálido. Provavelmente poucos de nós consegue ver as cores na perfeição. Os daltónicos não podem evitar a sua limitação, ninguém os pode censurar por verem verde em vez de vermelho, mas se permitimos que um daltónico seja instrutor de condução, onde a distinção do vermelho em relação ao verde e amarelo é essencial para a segurança do passageiro, arriscamos a uma catástrofe. Por este motivo, o exame ao daltonismo é um dos testes para o instrutor de condução.
Existe alguma semelhança entre o daltonismo e a consciência religiosa do mundo. É a incapacidade de ver a crueldade. Claro que a caridade, a compaixão e o serviço são verdades religiosas essenciais em todo o lado, mas também é a cor vermelha. Por isso, um em cinquenta não vê o vermelho; similarmente, pelo menos 999 em 1000 não vêem a crueldade que existe em todo o lado. Um homem pode ser profundamente religioso, e em alguns aspetos do seu carácter até mesmo santo, mas isso não o previne de ser cego à crueldade que o rodeia, tal como um engenheiro elétrico daltónico não pode deixar de ser cego à cor vermelha quando está perante ele. Tal como o daltonismo é um facto na natureza também é um facto da consciência religiosa um homem ser cego à crueldade.
Considerando as formas horríveis de crueldade que existem a par do alto desenvolvimento da religião. Ninguém pode acusar os adoradores do Templo de Kali em Calcutá de consciência cruel, pois eles adoram com profundo zelo e dedicação. Mas nunca lhes ocorre que o sacrifício a crianças e cabras ao Deus é uma crueldade e um horror. Eles sofrem de uma forma de daltonismo moral, mas tal como cada um de nós, pois o a cegueira pelo horror é maior do que a cegueira pelas cores. Há não muitos séculos atrás, aqui em várias partes da Índia, os homens condenados por roubo viam as suas mãos cortadas. Os Sadhus e as pessoas piedosas não fizeram protestos sobre isso, simplesmente porque eles não viam isso como uma crueldade incompatível com a religião. Para eles foi apenas um mero castigo que a lei decretou e então não havia mais nada a dizer. Criminosos continuam a ser açoitados nas prisões, e crianças continuam a ser espancadas nas escolas; aceitamos ambas como parte da nossa civilização normal e nunca nos ocorre que toleramos a crueldade. Tal como o tratamento dos animais, em muitos locais turísticos, e que vemos frequentemente, mas nunca nos ocorre como crueldade; refiro-me ao número de cães párias doentes e sarnentos nas estradas das nossas aldeias e cidades. Não preciso de catalogar as formas de crueldade que tomam lugar nas nossas vilas e aos quais somos cegos; não as toleramos conscientemente porque não somos conscientes delas. Estamos todos desequilibrados no nosso desenvolvimento e pouco treinados na nossa visão que simplesmente não vê muitas das crueldades que passam em frente aos nossos olhos. Os nossos olhos não conseguem captar todas as formas de crueldade com a mesma clareza de visão.
Lamento admitir que as religiões do mundo estabeleceram um ênfase excessivo no céu e fizeram o homem cego para as oportunidades na terra. Aqui e ali, o pensamento foi efetivamente surgindo: a terra e o céu estão relacionados entre si e para ser eficiente no céu o homem tem de ser também eficiente na terra. Mas para a maioria a nossa vida para além do túmulo não está relacionada com as atividades enquanto vivos e, por isso, damos o mínimo do nosso melhor na terra, enquanto reservamos o máximo para o céu. Esta é a atitude do homem religioso médio; quanto maior a ideia de Deus no primeiro plano da consciência, maior o dever para com o homem e as ordens inferiores de criação fica em segundo plano. Quanto mais próximo o homem está de Deus mais longe é removido do homem.
Claro que isto está completamente errado. Protesto após protesto tem sido realizado pelos grandes fundadores das religiões contra esta divisão entre o céu e a terra, entre o religioso e o secular. O Hinduísmo insiste que existe uma Vida Divina em todas as coisas. Cristo insiste que o amor de Deus pelo homem não pode ser separado do amor por ele e pelo seu próximo. Os ensinamentos de Buda habitam continuamente na radiação da compaixão e amor a todos no mundo. Mas os seguidores do seu grande Mestre estragam sempre os ensinamentos de seu Mestre, enfatizando o menos importante em detrimento do mais importante.
Este processo de deturpação da religião pelos padres e igrejas já chegou ao ponto onde, para um homem ou uma mulher cientificamente modernos e educados, é difícil acreditar em qualquer tipo de Deus. Não que não queiram acreditar, mas os sacerdotes e igrejas não conseguem oferecer um incentivo mental adequado para acreditarem. Desconfiam deles, especialmente porque veem o pouco que fazem pelo homem, enquanto tudo oferecem a Deus.
Esta reação da religião não é um mal puro. Tem pelo menos um bem – desviou os nossos olhos de Deus para o homem. É o ceticismo científico moderno que trouxe como agregado o Serviço Social. Sempre houve, numa forma ou outra, o serviço do homem em nome de Deus; mas o Serviço Social, como nós o conhecemos é hoje o serviço do homem em nome do homem. Milhares de homens e mulheres que não respondem aos ensinamentos da religião normal, respondem ao ideal do serviço do homem. Um resultado da sua resposta é o facto de estarem livres do daltonismo religioso que falei no início. O espírito do Serviço Social mostra-nos a crueldade à nossa volta e à qual a religião parece totalmente cega. Trabalhadores no Serviço Social são certamente menos cegos ao sofrimento e crueldade do que os entusiastas da religião comum.
Temos de manter esta sensibilidade ao sofrimento no trabalho ao Serviço Social. A sua utilidade para a humanidade depende da sua sensibilidade. A sua simpatia dará ao mesmo tempo um conhecimento do problema e os meios a adotar para colocar um fim nele. Eu acredito que se os homens aprenderem a ver eles aprenderão a simpatia, e com a simpatia sempre nasce algum conhecimento. Como planeamos que o trabalhador ao Serviço Social seja sempre um trabalhador e não um simples sonhador do Serviço Social?
Penso que o caminho passa por desenvolver nele um sentido de idealismo. Entendo por idealismo não uma mera contemplação teórica de ideais, mas uma vida prática de um tipo tão entusiasta que o faz compreender que os ideais pelos quais trabalha fazem parte da sua natureza íntima e não de um evangelho externo de vida que lhe é apresentado por outrem. Sem este tipo de idealismo, mesmo o melhor trabalhador ao Serviço Social torna-se mecânico e sectorial. Cada trabalhador deve sentir o seu serviço como algo que lhe é impelido a desenvolver, no cumprimento do qual a sua honra está envolvida. Há muitas possibilidades de Serviço Social para que cada trabalhador possa selecionar de acordo com o seu temperamento.
Para alguns, o melhor do seu serviço está no senso humanitário. Sentem que determinadas ações e situações são indignas da verdadeira masculinidade e feminilidade, e trabalham para remover o insulto do nome da Humanidade. Há outros que trabalham com o senso de Fraternidade, desejando partilhar com os seus semelhantes aquilo que foi precioso nas suas próprias vidas. Não há nem primeiro nem último nos ideais, e um é tão bom quanto o outro.
Contudo eu quero falar contigo sobre um ideal que ilumina, especialmente para mim, o problema do Serviço Social. O meu ideal não inspirará necessariamente todos, mas eu sirvo melhor dizendo aquilo que retira o melhor de mim. Este ideal é bem conhecido na Índia antiga, onde os nossos líderes espirituais viram uma Vida Divina em todas as coisas. Aplicado às condições da vida quotidiana, este ideal significa ver cada ser humano como a Casa de Tesouro de Deus.
Quando comecei o postulado que cada ser humano, por mais degradado ou desprezado que esteja, tem Deus latente, então o meu Dharma ficou claro; ajudar na revelação do Divino em todos os meus semelhantes. Para mim, o pecado e o mal são tudo o que impede a revelação de Deus nas Suas crianças, e a crueldade consiste em aceitar tudo o que mantém o espírito do homem na escravidão.
As ações cruéis que mantêm o Deus no homem prisioneiro acorrentado, são ambos de comissão e omissão. A código ético regular da religião ensinará a abster-nos de atos e comissões; mas são esses atos de omissão que por vezes infligem mais crueldade que aqueles de comissões. Deixa-me exemplificar alguns. Veja-se a forma como um passageiro de terceira classe na Índia é apressado e empurrado, atolado e lotado nos comboios; como não existe qualquer disposição para lhe reservar um lugar. Mas se pagar apenas três vezes mais a tarifa dele como passageiro de segunda classe ou seis vezes mais a tarifa dele como passageiro de primeira classe, o seu lugar estará reservado. Por outras palavras, merecerá um tratamento digno por parte da companhia ferroviária em função do dinheiro que tem no bolso. No entanto, eu, que viajo em primeira classe, e o meu irmão, que só pode viajar em terceira, pertencemos ambos à Casa de Tesouro de Deus. Se o Deus em mim pode fazer melhor o Seu trabalho no conforto de uma carruagem de primeira classe, por que não há-de o Deus nele fazer o mesmo? É claro que não há qualquer ato de crueldade para com o passageiro de terceira classe ao tratá-lo desta forma. Está tudo dentro dos estatutos da Companhia, aprovados pela Legislatura!
Mas a minha consciência diz-me que estes não são os estatutos de Deus, e certamente não são apoiados por Ele. Por isso, participo num ato de omissão enquanto as coisas não mudarem. Só posso aliviar a minha consciência trabalhando para a abolição desse mal, como parte de outros males maiores.
O mesmo se passa com um outro grupo dos nossos semelhantes – os nossos irmãos que violaram as leis do país. Garantido que os infratores da lei devem ser segregados por um tempo – apesar de duvidar que seja a melhor forma de devolver o senso cívico de um homem, segrega-lo dos seus concidadãos – não somos culpados de atos de omissão por não mudarmos toda a ideia do criminoso? A nossa ideia atual é que ele é uma praga social e uma infeção da qual temos de nos proteger, e que ele deve ser punido para nos assustar do crime. Nunca nos ocorre que Deus está como prisioneiro no banco dos réus. Mas suponhamos que, por um momento, acreditamos que é Deus, e não o homem, que está no banco dos réus. O problema é então o seguinte: porque é que o Deus do juiz é livre e não tem de pagar uma pena, e como é que o Deus do prisioneiro se pode tornar igual ao Deus do juiz? De imediato, toda a ideia de castigo desaparece; não há ninguém a castigar ou a ser castigado, mas alguém que deve ser compreendido e ajudado a revelar a sua Divindade escondida.
Eu poderia citar exemplo atrás de exemplo para ilustrar a minha ideia de que o espírito do verdadeiro Serviço Social está em procurar Deus no homem e no seu entorno. Tudo aquilo que retarda a revelação de Deus no homem é antissocial. Pode ser o atraso do Estado em provir educação a todos; então eu, como pertencente ao Estado, enquanto não protestar contra ele, sou culpado de um crime contra Deus.
Pode ser o berço a limitação do espírito da mulher pelo casamento precoce, negando-lhe a oportunidade de educação superior, por purdah, e assim por diante, mas em tudo isso, por mais que eu siga a minha casta, eu oro contra esses costumes úteis que Deus quer prevalecer entre os homens. A Aceitação no atraso do homem ou da mulher, sob qualquer forma, significa que estou disposto a tolerar a continuação da prisão de Deus no homem. Uma vez que, para mim, a vida é um processo de revelação de Deus nos homens, todas as condições da vida são favoráveis ou desfavoráveis, conforme ajudem ou dificultem essa revelação.
Tenho de lutar contra a sujidade e a doença, o atraso e a ignorância, a fealdade em todas as suas formas, não apenas porque ferem e degradam o homem mas porque mantêm aprisionado o Deus no homem. A higiene e o saneamento, a cultura de todos os tipos e o evangelho da beleza são tantas formas de apelar ao Deus no homem para que se apresente ante a Sua beleza. Casas e cidades bonitas, arte em todas as formas, um entusiasmo pelo Belo, não são meras excrescências estéticas nas atividades da vida, mas o puja necessário para a adoração de Deus.
Eu tomo como axioma que tudo o que me inspira a ser bom e nobre inspirará igualmente todos os meus semelhantes, e que, portanto, a civilização está incompleta até que eles não tenham a mesma oportunidade de revelar Deus em si mesmos.
Vou ainda mais longe. É ver a revelação de Deus não apenas no homem, mas também nos seus irmãos mais novos, os animais. Certamente que nós, aqui na Índia, deveríamos compreender o mistério do animal que também é um participante da Divindade, pois esse é o ensinamento antigo e imemorial da Índia e faz parte do nosso património inestimável de sabedoria. Permitam-me que vos cite estes poucos versos do Shvetashvatara Upanishad, sobre a Presença de Deus nas criaturas que Ele fez.
Mais pequeno que o pequeno, mas maior que o grande, no coração da criatura o Ser repousa; Liberto do desejo, um homem vê como a sua dor desaparece, o Senhor e o Seu poder, pela Graça de Deus.
Tu te tornas mulher, e homem, e jovem, e também donzela na suavidade; quando velho, com o cajado sustentas os teus passos; tu deste à luz com o rosto em todas as direções.
A mosca azul, o pássaro verde e o animal de olhos vermelhos, a nuvem que traz o relâmpago no seu ventre, as estações e os mares, a arte sem princípio, és Tu. No poder omnipresente tens a Tua casa, de onde todos os mundos nasceram.
Temos aqui o nosso código de conduta para com os animais. Devemos tratá-los assim como ao Deus neles, que percorre o Seu caminho num processo evolutivo, para habitar mais tarde no homem, e ter as facilidades que Ele necessita para a Sua viagem. Assim, enquanto o animal dá a sua inteligência e força, temos de as utilizar, não pensando apenas em nós próprios, mas sobretudo no progresso e na expansão da consciência do animal. O nosso dever é humanizar o animal e esta a primeira reivindicação que o animal tem para connosco. Manter o animal, que veio para nos servir, simplesmente como o animal, besta de carga, para a nossa gratificação, está errado. Não o maltratar é o dever que temos para connosco, mas o dever para com o animal é ajudar a passar a Vida Divina que nele existe para a fase seguinte da sua manifestação.
Ao longo de todo o processo estou a conceber Deus e o homem de uma forma inteiramente nova. Deus é o meu Irmão-homem e Deus Irmão é mais real para a minha consciência do que o Deus Criador ou Deus Pai. Cristo disse que o homem tinha apenas dois deveres primordiais: o primeiro é amar a Deus com toda a sua alma, coração e mente, e o segundo amar o próximo como a si mesmo.
Parece-me que amar o meu próximo seria mais real e vivo se eu pudesse treinar para ver nele, não apenas o meu próximo, mas também o meu Deus. Certamente que a revelação de Deus no meu próximo é uma revelação menor do que aquela que vem ao coração na oração ou na meditação; é uma revelação da mesma Realidade para a qual o meu coração se dirige em adoração.
Procuremos Deus não tão no alto, mas à nossa volta; não num Ideal que não se vê com os nossos olhos, mas nos Seus filhos, que podem ser vistos com os nossos olhos; penso que O amaremos então com uma riqueza e uma complexidade de emoções que atualmente nem sequer sonhamos.
Se modificarmos o nosso pensamento atual de que o homem é apenas homem e compreendermos um pouco que o homem é a Divindade, podemos então apelar em todas as coisas para o Divino no homem. O nosso maior apelo é o da humanidade do homem; dizemos que tal ou tal conduta é “desumana” e elogiamos um homem pela sua humanidade”. Não digamos que a crueldade é desumana, isto é, que não é digna da humanidade, mas sim que não é divina, não é digna do ser homem, mas sim que é anti-divina, ou seja não condiz com o Deus que está no homem.
Não podemos colocar o homem num pedestal demasiado alto e pedir-lhe que atue a partir daí. Se o meu apelo não for apenas com os lábios mas com uma convicção de que a Divindade está no homem, então o homem que coloquei num pedestal começará a revelar algo da sua Divindade. Se há tanta crueldade à nossa volta, se tantas pessoas, se tantos dos nossos irmãos são infratores da lei é porque não eliminámos a crueldade da nossa natureza, é porque ainda não nos treinámos para reverenciar a lei interior do nosso ser.
Quando cada um de nós, seguro da sua Divindade, consegue apelar à Divindade nos outros, então saberemos que o nosso apelo aos homens para serem divinos, e não apenas humanos, não é em vão.
Este é o meu ideal de Serviço Social e penso que todos os que o colocam diante de si evitarão a cegueira para a crueldade que mencionei no início. Se procuro Deus, Ele mostra-me onde está preso; se procuro Deus no homem então de mil lugares vem o apelo para libertar a Divindade aprisionada. Queremos olhos bem abertos para ver as coisas como elas são, na sua crueza e imperfeição; porque, se temos também o Ideal, então ver as coisas como elas são é também vê-las como devem ser.
Nós, trabalhadores ao Serviço Social devemos ser, tanto de facto como de direito, idealistas; enquanto a nossa cabeça estiver acima das nuvens, os nossos pés devem estar bem assentes na terra. Acima de tudo, para sermos úteis ao mundo temos de estar cheios de entusiasmo, não um entusiasmo forte num dia e mais fraco noutro, mas um entusiasmo calmo, persistente, crescente, que se justifica tanto para o coração sonhador como para o espírito crítico. Uma prova de que Deus está dentro de nós, e não apenas fora, é este entusiasmo sempre borbulhante que vivifica a natureza do verdadeiro filantropo.
O seu corpo pode envelhecer, mas o seu coração nunca; o cérebro pode perder as suas memórias, mas nunca as grandes verdades que a mente construiu a partir dessas memórias. Ele pode estar a entrar na pira funerária, mas fá-lo com a sua própria tocha de idealismo erguida para que todos a vejam num mundo escuro. A imortalidade do homem e o entusiasmo para o Bem, o Verdadeiro e o Belo são duas fases da única Realidade, que é o facto de ser Divino. Morrer para o entusiasmo é, na verdade, morrer para a vida.
Como é que um trabalhador ao Serviço Social pode estar sempre a fervilhar com entusiasmo? Para isso, ele deve ter um evangelho de vida que o comprometa de alma e coração. Entre os muitos evangelhos que existem, qual é o melhor, é outra questão.
Não creio que seja muito importante que um homem não tenha nada além do melhor, desde que o que tem “funcione”. Uma filosofia ” funciona ” na vida de um homem de muitas maneiras, mas na vida do trabalhador ao Serviço Social não é filosofia se não o tornar um reformador, ou seja, um novo criador. Não conheço nenhuma afirmação mais nobre do sonho prático do serviço idealista que o de Blake:
Tragam-me o meu arco de ouro ardente!
Tragam-me as minhas flechas de desejo!
Trazei-me a minha lança: Ó nuvens, desdobrai-vos!
Tragam-me a minha carruagem de fogo!
Eu não deixarei de lutar mentalmente,
Nem a minha espada dormirá na minha mão,
Até que tenhamos construído Jerusalém
Na terra verde e agradável de Inglaterra.
“Até que tenhamos construído Jerusalém.” Pois Deus sonha com o que as nossas cidades serão um dia, e Ele está à espera daqueles que tornarão o Seu sonho realidade. Ele tem o projeto da cidade ideal de Mysore, aquela cidade onde a Sua Vontade será feita na terra “assim como no Céu”.
Ele tem o projeto para cada habitação, para cada aldeia e cada cidade, em cada país, e o Serviço Social é uma forma de realizar o Seu sonho. É verdadeiramente espiritual o homem que realiza o sonho de Deus.
Não importa onde ele está ou qual é o seu trabalho; Deus precisa de todos nós, desde o governante do Estado até ao seu mais humilde cidadão. Esse Estado é verdadeiramente feliz onde os cidadãos trabalham juntos para realizar o sonho de Deus. Amigos, vós, neste Estado de Mysore, tendes uma oportunidade mais nobre do que outros em outras terras.
O vosso governante serve tanto a Deus como o homem com uma dedicação da qual até o mais ignorante aldeão está ciente. Sabeis que o seu irmão que o irá suceder, Sua Alteza o Yuvaraja, que é o nosso presidente esta manhã, está de alma e coração connosco em tudo o que planeamos para o Serviço Social. Tendo o mais alto do Estado para vos liderar, para onde não podeis ir?
Quando os mais altos do país cumprem o seu dever, não vos podeis queixar se nem tudo está bem. Se tudo não está bem é porque cada um de vós não cumpriu a sua parte.
Sem a ajuda de cada um de vós, o sonho de Deus para nós não pode ser realizado na terra. Não se trata de reformas ou benesses concedidas por aqueles que ocupam lugares de poder, mas de reformas efetivamente iniciadas por cada um de vós no vosso próprio lugar. Nos nossos próprios lugares, no nosso ambiente, temos poder, de facto todo o poder, que necessitamos para fazer exatamente a parte que Deus precisa de nós.
Deus não espera de vós e de mim o que espera de Sua Alteza o Maharaja. Mas Ele espera alguma coisa de ti e de mim, e nós falhamos na vida se não a dermos.
Ninguém pode viver verdadeiramente num Estado se não der ao Estado. Caso contrário, somos como selvagens. Se ao menos pudesses compreender que não és apenas um homem mas também és Deus, encontrarias em ti os caminhos e os meios para todos os serviços que deverias prestar. O serviço é a única verdadeira tónica da vida, e o Serviço Social, isto é, o serviço do “socius”, o próximo, é o serviço de Deus.
Se ao menos pudesses esquecer por um pouco as tuas próprias necessidades, os teus próprios sofrimentos e ansiedades e contemplar por um tempo as dores, angústias e necessidades do teu próximo, terias mais do Poder Divino dentro de ti, mais perto da tua realização. Olhai para a Divindade e saudai-A, e ireis reconhecer a Divindade em vós e participantes da Sua força e paz.
Há muitos caminhos que conduzem a esse Refúgio, mas um dos mais nobres atualmente é o Serviço Social. É, além disso, o caminho pelo qual Deus vem ao vosso encontro mais rapidamente. O Serviço Social é o novo evangelho de vida de Deus para os homens e vós só precisais de viver esse evangelho para viverdes a vida perfeita que Deus planeou para vós, e com a qual o vosso coração sonha.
C. Jinarajadasa