O Caminho Extremo do Meio

camino_meio

O título deste artigo pode chamar a atenção de alguns porque “O Caminho do Meio” é geralmente entendido como uma espécie de equilíbrio entre extremos, uma espécie de moderação equidistante, nem muito quente nem muito fria.

No entanto, embarcar neste caminho nas nossas vidas é uma decisão arriscada, cheia de força e uma autêntica aventura espiritual. Este caminho não consiste num “compromisso” entre contrários e opostos, pois como apontam os Sutras budistas, é um caminho que se percorre sem entrar em nenhum dos extremos, sem depender deles para encontrar um ponto médio, mas sim, superando os dois extremos e indo mais além, dando um salto para uma conceção diferente, “sempre para cima e para a frente”.

De facto, no nosso dia-a-dia, costumamos percorrer um caminho diferente: o “Caminho da Conveniência”, que é morno, diplomático, cheio de compromissos entre o que deveria ser e o que ousamos ser.

A aceitação do risco e a aventura do Caminho do Meio faz-se enfrentando tudo o que tira a nossa consciência do Caminho, evitando as duas tendências extremas dos pólos opostos, procurando assim uma via de superação dessa dualidade.

Meditação Budista.

Esta via de superação consiste também em fazer um esforço exagerado e poderoso de vontade para construir um ego, igualmente poderoso, contra as investidas da vida.

Herman Hesse conta, no seu famoso romance “Siddharta”, como é que o seu protagonista, uma espécie de espelho humanizado do próprio Buda, começou a praticar um ascetismo extremo depois de se retirar para a floresta enquanto shramana. Assim, ele passou a dominar de tal forma a sua consciência que podia desconectar-se completamente do mundo, elevando a sua consciência a planos desconhecidos, absorvendo todo o Universo no seu ser e fugindo completamente dos laços estabelecidos pela ilusão mundana.

Finalmente, ele voltou do seu transe para o eu, mas um eu que era ainda mais poderoso e gigante do que antes de começar a sua viagem mística.

“Siddhartha tinha um fim, uma única meta: ele queria estar vazio, sem sede, sem desejos, sem sonhos, sem alegria nem tristeza. Ele desejava morrer para fugir de si mesmo, para não ser o eu, para encontrar a tranquilidade num coração vazio, para permanecer aberto ao milagre através dos pensamentos despersonalizados: esse era o seu objetivo.”

“Quando todo o eu estivesse derrotado e morto, quando fossem silenciados todos os vícios e todos os impulsos no seu coração, então ele teria que despertar o último, o mais íntimo do ser, o que não é mais o eu, mas sim o grande segredo.”

“Ele aprendeu estes e outros métodos, abandonou-se a si mesmo mil vezes; permanecia no não-eu durante horas e dias. Mas, ainda que os caminhos o afastassem do eu, no final, sempre o levavam de volta ao eu.” (Siddharta, Herman Hesse)

A aniquilação do “eu” foi, portanto, ilusória, mais uma miragem neste mundo cheio de espelhos e adornos; no exercício extremo de anulação do ego, a força aplicada foi tão grande que fez o ego ficar ainda mais forte.

Mais tarde, depois de renunciar ao caminho dos ascetas, voltou-se para a vida do prazer e do mundo onde, novamente, o fracasso o aguardava. De uma maneira curiosa, a personagem do romance, Siddharta, que é uma forma de Buda, encontra o próprio Iluminado, e diz-lhe que não o pode seguir, porque, de alguma forma, mesmo reconhecendo que o seu Caminho era perfeito e não poderia ser superado, Siddharta teve que encontrá-lo sozinho, assim como o Buda o fez.

Algumas lições que podemos aprender com isto tudo:

  1. O Caminho do Meio não é uma forma de complacência suave, de equilíbrio moderado, ou seja, de água morna que, como disse o evangelista, só serve para vomitar.
  • O Caminho do Meio é uma forma de renúncia, renuncia-se a dois extremos, evita-se entrar na floresta e no palácio, no ascetismo inútil e no luxo das sedas, na “humildade paralisante” e na “vaidade pessoal”.
  • Não é voluntarismo, não é abandono nem desistência. Não é o orgulho do asceta, nem o uso do cabelo rapado e sua tigela bem visível, apesar de quando, por vezes, vazia de comida, estar sempre cheia de vaidade.
  • Não consiste em aniquilar o “eu”, porque o eu é a única coisa que temos para trabalhar.  Trata-se de aperfeiçoar, de construir, de formar um eu mais flexível, sempre pronto a escutar a voz subtil do Espírito.  Somente quando conquistamos o EU, é que nos podemos livrar do pequeno eu, mas não antes, porque senão, corremos o risco de nos tornarmos estúpidos.
  • Devemos seguir o Buda, o que implica seguir o nosso próprio caminho, porque foi isso que ele fez. Não significa não escutemos, nem que não possamos aprender muitas coisas importantes com os outros, mas o caminho faz-se com o nosso caminhar.

Os Mestres existem, mas só nos indicam o caminho, e isso não consiste em elogiá-los, nem imitá-los servilmente, nem reverenciá-los até beijarmos o chão, nem inclinar-se babando diante desses mestres, mas consiste sim em respeitar os seus ensinamentos, que nos devem levar a tentar mais uma vez e lutar.

Deixe uma resposta