“ Procurai também dominar as prevalecentes fraquezas de vosso carácter, dirigindo o pensamento para o caminho mais certo para extinguir as paixões. Depois dos primeiros esforços, sentireis um indescritível vazio e desconsolo no vosso coração; mas não vos amedrontais por ele, considerai-o como o suave crepúsculo do nascer do sol da felicidade espiritual. A tristeza não é um mal. Não vos queixeis, porque o que vos parecem sofrimentos e obstáculos são na realidade os misteriosos esforços da natureza para vos ajudar na vossa obra se souberes aproveitá-los”
Ocultismo Prático de H.P. Blavatsky
O Desalento, em maiúsculas, a que se refere a autora da Doutrina Secreta não é certamente um estado de depressão do carácter, quiça mais uma crise existencial que anuncia uma oportunidade de crescimento interior. Nos textos sagrados das diferentes religiões e na literatura , é o momento em que o herói sente que a vida natural e as suas satisfações não são o verdadeiramente importante, e anuncia o encontro face a face com o Destino, com o verdadeiro sentido da vida , com as suas provas e trabalhos.
Encontramo-nos com ele na Eleição de Aquiles, que prefere uma vida curta heróica e gloriosa a uma longa e pacífica como o rei dasPlanícies de Ftia.
Ou em Hamlet, após a morte de seu pai, antes que a visão aterradora do seu espectro lhe confie a missão da sua vida e a necessidade de vingança e de repôr a justiça.
Na crise de angústia de Buda ao encontrar-se com um doente, um velho e um morto, que o levam a fugir da sua jaula dourada e a converter-se num médico de almas de todo o sofrimento humano.
No “desalento de Arjuna”, descrito no Bhagavad Gita antes do inicio da Grande Guerra no Mahabharata: ao colocar o seu carro de batalha no meio dos dois exércitos sente abrir-se o abismo da dúvida a seus pés e é salvo pelos ensinamentos do seu mestre e amigo, Krishna sobre os misterios da vida, da morte e do real. Há versões do Bhagavad Gita que não as “oficiais “ em que não existe este capitulo, pois consideram esta dúvida imprópria de um heroi, e dizem que se trata de um agregado posterior .
O feito que se chama de Yoga a cada um destes capítulos é porque cada um deles é alguma forma de “união “( o seu significado em sânscrito) com Deus. Aqui, no “ Yoga do Desalento” está a humildade do coração , saber que toda a força é de Deus, que só Deus é vencedor , e que todo o fracasso vem da debilidade humana. É o “Non nobis, non nobis sed nomine tuo da gloriam” dos templários.
Aquele que quiça não é tão conhecido é o “desalento de Rama”. Este herói é o protagonista do Ramayana, e um dos avatares do Deus Vishnu e que luta contra o malvado Ravana para recuperar a sua amada Sita e para libertar do sofrimento às suas vitimas, os escravos de Lanka.
O Ramayana é a epopeia irmã do Mahabharata e sublime como ela. De tal importância que são consideradas, em conjunto, o Quinto Veda, escritas por Valmiky e Vyasa respectivamente, iluminados pelo conhecimento divino. O livro, monumental, Yoga Vashista, de quem se desconhece o autor, narra, precisamente os ensinamentos do sábio Vashista ao principe Rama que é a vitima do desalento, quando depois da sua primeira viagem para conhecer o seu reino sofreuma crise existencial, que nasce da necessidade de sua alma de se libertar da ignorância e encontrar a verdade e o sentido da vida. Todo o livro- certamente um dos favoritos de Mohandas K.Gandhi e que os especialistas ocidentais apontam entre o século II d.C e o X d.C- é um tratado sublime de ensinamentos filosóficos sobre a vida e a natureza do real, de mais de 6000 páginas.
O primeiro capitulo mostra, precisamente, como no Bhagavad Gita, o sofrimento e angústia de Rama , em termos semelhantes aos de Arjuna ou ao de Hamlet de Shakespeare. É um texto de uma beleza sem par, e em si mesmo um tratado de filosofia prática, um discurso incomparavel em que a beleza de suas ideias e imagens poéticas é música e alimento da alma. Sendo o “desalento” do herói, não transborda exatamente de otimismo e alegria de viver, mas tem um sentido profundo que nos permite alcançar o “lótus da ressurreição”.
José Carlos Fernández
Capitulo XII A Resposta de Rama
Valmiki disse: Tendo sido questionado com palavras reconfortantes pelo chefe dos sábios, Rama respondeu-lhe num discurso suave e gracioso, repleto de bom senso.
Rama disse: Ó venerável sábio, eu dir-te-ei em verdade, ainda que ignorante, todos os detalhes que me pedes, pois quem ousaria desobedecer à ordem dos sábios?
Desde que nasci que permaneci nesta mansão do meu pai, foi aqui que cresci e que recebi a minha educação (aqui mesmo!).
Então, ó líder dos sábios, desejoso de aprender os bons costumes (da humanidade), pus-me a viajar por todos os lugares santos desta Terra.
Foi nesta altura que surgiu na minha mente uma sucessão de reflexões da seguinte natureza, e que abalou a minha confiança nos objectos mundanos.
A minha mente pôs-se a discriminar a natureza das coisas, o que me levou, gradualmente, a descartar todos os pensamentos sobre os prazeres sensuais.
Para que servem estes prazeres mundanos (pensamento 1), e o que significa a multiplicação (da nossa espécie) na terra? Os homens só nascem para morrer e só morrem para nascer de novo.
Não há estabilidade nas tendências dos seres, sejam estes móveis ou imóveis. Todos eles tendem ao vício, à decadência e ao perigo; e todas as nossas posses constituem a base da nossa penúria.
Todos os objectos (dos sentidos) estão separados uns dos outros como que por varas de ferro ou por agulhas, só a imaginação é que os prende à nossa mente.
É a mente que retrata a existência do mundo como se fosse uma realidade, mas o engano da mente (sendo conhecido) deixa-nos a salvo do mesmo.
Se o mundo é uma irrealidade, então é uma pena que os homens ignorantes se sintam atraídos por ele, tal como os veados que são tentados pela miragem distante (parecendo-lhes) ser água.
Não somos vendidos por ninguém (nem a ninguém) e, no entanto, mantemo-nos como escravos do mundo; e sabendo bem disto, somos enfeitiçados pelas riquezas, como se pela varinha mágica de Shambara.
Quais são os prazeres desta quinta-essência (do mundo) senão a miséria? E, no entanto, somos estupidamente aprisionados pelos seus pensamentos, como se obstruídos de mel (como as abelhas).
Ah! Percebo, ao fim de muito tempo, que caímos insensivelmente nos erros, como os veados desnorteados caem nas grutas do deserto.
De que me serve a realeza e estes prazeres? O que sou eu e de onde vêm todas estas coisas? Não passam de vaidades, deixemo-las continuar como tal, sem gerarem nenhum bem ou perda para qualquer corpo.
Pensando desta forma, ó Brahman, acabei por ficar aborrecido com o mundo, como um viajante (das suas viagem através) do deserto.
Agora diz-me, ó venerável senhor, se este mundo avança para a sua dissolução ou para a reprodução contínua, ou se está no curso da sua interminável progressão.
Se há algum progresso aqui, é o do aparecimento e do desaparecimento da velhice e da morte, da prosperidade e da adversidade, à vez.
Vê como a variedade dos nossos pequenos prazeres acelera a nossa decadência, eles são como furacões a estilhaçar as árvores de uma montanha.
Os homens continuam, em vão, a respirar o seu sopro vital, como os tubos de vento nas canas de bambu, sem qualquer sentido.
Como poderá ser a miséria (humana) aliviada, é este o (único) pensamento que me consome como o fogo selvagem consome a reentrância da árvore murcha.
O peso das misérias mundanas pesa-me no coração como uma pedra, e obstrue os meus pulmões na sua expiração. Tenho vontade de chorar, mas sou impedido de derramar as minhas lágrimas por temor ao meu povo.
O meu choro sem lágrimas e a minha boca sem palavras não dão nenhuma indicação da minha tristeza interior a ninguém, excepto à minha consciência, essa testemunha silenciosa da minha solidão.
Deixo-me pensar nos estados positivos e negativos (da felicidade mundana), mas como um homem arruinado lamenta reflectir sobre o seu anterior estado de abundância (e indigência actuais).
Tomo a prosperidade como uma trapaça sedutora, por iludir a mente, por prejudicar as boas qualidades (dos homens) e por lançar a rede que trará as nossas misérias.
A mim, como àquele que caia em grandes dificuldades, nenhuma riqueza, descendência, consortes ou casa me geram prazer, mas parecem-se ser (as tantas fontes da) miséria.
Eu, como um elefante selvagem agrilhoado, não sou capaz de encontrar descanso na minha mente, ao pensar nos vários males do mundo e ao pensar nas causas das nossas fragilidades.
Existem paixões perversas que se intrometem a todo instante sob a névoa escura da noite da nossa ignorância; e há centenas de objectos que, como tantos velhacos astuciosos, pairam sobre todos os homens em plena luz do dia, que espreitam por todos os lugares para nos roubar da razão. Que outros guerreiros poderosos podemos nós delegar (agora) para lutar contra estes, senão ao nosso conhecimento da verdade?
Capitulo XIII Vituperação das Riquezas
Rama disse: É a opulência, ó sábio, que é considerada aqui como uma bênção; é, ela mesma, a causa das nossas tormentas e erros.
Ela afasta para fora, como um rio durante a monção, todos os tolos de alta espiritualidade, dominados pela sua corrente.
As suas filhas são as ansiedades alimentadas por más práticas repetidas, como as ondulações de um riacho levantadas pelos ventos.
Ela nunca consegue permanecer de pé em nenhum lugar, mas, como uma mulher destroçada que queimou os seus pés, vai coxeando de um lugar para o outro.
A sorte, como uma lâmpada, tanto queima quanto obscurece o seu possuidor, até se extinguir pela sua própria inflamação.
Ela é tão distinta quanto príncipes e tolos, e também tão favorável quanto eles são para os seus adeptos, sem serem capazes de ver os seus méritos ou defeitos.
Ela gera-lhes apenas males através dos seus diversos actos (de prodigalidade), tal como o bom leite dado às serpentes serve apenas para aumentar a pujança de seu veneno.
Os homens são (por natureza) gentis e bondosos com amigos e com estranhos, até que sejam endurecidos pelas suas riquezas que, como rajadas de vento, servem para endurecer a geada (líquida).
Tal como as jóias brilhantes são cobertas pelo pó, os sábios, os corajosos, os agradecidos, os suaves e os bondosos, são corrompidos pela riqueza.
As riquezas não conduzem à felicidade, mas sim ao infortúnio e à destruição, pois o acónito, quando desenvolvido, esconde em si o veneno fatal.
Um homem rico sem defeitos, um homem corajoso desprovido de vaidade e um mestre sem parcialidade, são três raridades sobre a terra.
Os ricos são tão inacessíveis quanto a caverna escura de um dragão, e tão distantes quanto a profunda selva da montanha Vindhya, habitada por elefantes ferozes.
As riquezas, como a sombra da noite, ofuscam as boas qualidades dos homens e, como raios da lua, trazem à luz os botões da sua miséria. Afastam o brilho de uma perspectiva justa como um furacão e assemelham-se a um oceano com enormes ondas (de inquietação).
Trazem sobre nós uma nuvem de medo e erro, aumentam o veneno do desânimo e do arrependimento, e são como as terríveis cobras no terreno da nossa escolha.
A sorte é (tão mortífera quanto) uma geada para os seguidores do ascetismo e quanto a noite para as corujas do libertinismo; ela é um eclipse para o luar da razão, e como os raios da lua para o florescimento dos lírios da loucura.
Ela é tão transitória quanto a Íris, e igualmente agradável de ver devido ao jogo das suas cores; ela é tão inconstante como o relâmpago, que desaparece logo que aparece à vista. Ninguém, salvo o ignorante, confia nela.
Ela é tão instável quanto uma donzela bem-nascida que segue as palavras de um homem vulgar; e quanto uma miragem (enganadora) que tenta os que fogem a cair nela como corças.
Instável como a onda, ela nunca permanece no mesmo lugar; (mas está sempre a vacilar de um lado para o outro) como a chama cintilante de uma lamparina. Assim sendo, ninguém conhece a sua tendência.
Ela, tal como uma leoa sempre pronta a lutar e, enquanto a líder dos elefantes, favorável aos seus entusiastas. Ela é tão cortante quanto a lâmina de uma espada (para cortar todos os obstáculos) e é a padroeira dos mais agudos vigaristas.
Eu não encontro a felicidade na prosperidade desumana, que está cheia de traição e repleta de todo o tipo de perigos e problemas.
É uma pena que a prosperidade, como uma desavergonhada, se agarre novamente a um homem, depois de ter sido abandonada por ele na sua associação com a pobreza (a sua rival).
O que é ela, com toda a sua beleza e atracção por corações humanos, senão algo momentâneo obtido por todos os meios do mal, e que se assemelha, na melhor das hipóteses, a um arbusto de flores que cresce numa caverna habitada por uma cobra e que é atormentada por répteis a toda a volta do seu tronco.
Capitulo XIV Depreciação da Vida Humana
A vida humana é tão frágil quanto a gota de água que pende, tremendo, na ponta de uma folha; e tão irreprimível quanto um louco delirante que rompe com o seu aprisionamento corporal fora de tempo.
Repito, a vida daqueles cujas mentes estão infectadas pelo veneno dos assuntos mundanos, e que são incapazes de julgar por si mesmos, não são mais do que as causas (variadas) do seu tormento.
Aqueles que conhecem o conhecido e que descansam no espírito omnipresente, condescendentes tanto com os seus desejos quanto com os seus ganhos, desfrutam de vidas de perfeita tranquilidade.
Nós que temos a crença de não sermos mais do que seres limitados, não podemos ter prazer nas nossas vidas transitórias, pois estas não passam de relâmpagos no meio do céu nublado do mundo.
É tão impossível manter os ventos confinados, rasgar o céu em pedaços ou fazer das ondas uma coroa, quanto confiarmos nas nossas vidas.
Rápidas como as nuvens passageiras do Outono e tão breves quanto a luz de uma lamparina sem óleo, as nossas vidas parecem ser tão fugazes quanto as ondas sucessivas do mar.
Mais vale tentar fixar a sombra da lua nas ondas, os rápidos relâmpagos no céu e as ideais flores de lotus no Éter, do que dar algum crédito a esta vida inconstante.
Os homens de mentes inquietas, que desejam prolongar as suas vidas inúteis e preguiçosas, assemelham-se à mula concebida por um cavalo (causando-lhe o aborto, a destruição ou a infertilidade).
Este mundo (Samsara) é como um redemoinho no meio da criação, e cada corpo individual é tão (fugaz) quanto a espuma ou uma bolha, o que não me pode dar prazer nesta vida.
Isto é chamado de verdadeira vida, aquela que ganha o que vale a pena ser ganho, que não se suporta em tristeza ou remorso e que é um estado de tranquilidade transcendental.
Existe uma vida vegetal nas plantas e uma vida animal nos animais e nas aves; o homem vive uma vida pensante, mas a vida verdadeira está acima (da sucessão de) pensamentos.
Todos estes seres vivos são aqueles de quem se diz que viveram bem nesta terra, que uma vez nascidos aqui não terão mais que voltar. Todos os outros não são melhores do que velhos burros de carga.
O conhecimento é um estorvo para quem não pensa, a sabedoria é difícil para quem se apaixona; O intelecto – é uma carga pesada para o inquieto e o corpo um fardo pesado para aquele que ignora a sua alma.
Uma boa pessoa, possuidora de vida, mente, intelecto, auto-consciência e das suas ocupações, de nada serve ao insensato, mas parece ser a sua sobrecarga como as de um carregador.
A mente descontente é a grande arena de todos os males e o berço de doenças que lhe vêm pousar como aves: tal vida é a morada do esforço e da miséria.
Tal como a casa é lentamente delapidada pelos ratos que continuamente a vão cavando, assim o corpo dos vivos é gradualmente corroído pelos (perniciosos) dentes do Tempo.
As doenças mortais criadas dentro do corpo alimentam-se da nossa respiração vital, como cobras venenosas, nascidas nas cavernas da floresta, que consomem o ar do prado.
Tal como a árvore murcha é perfurada pelos vermes que nela residem, também os nossos corpos são continuamente consumidos por muitas doenças geradas internamente e secreções nocivas.
A morte olha-nos e rosna-nos incessantemente no rosto, como um gato olha e ronrona para o rato, querendo devorá-lo.
A velhice corroí-nos como um glutão digere a sua comida; e reduz-nos à fraqueza como uma velha meretriz, sem outro charme para além de pinturas e perfumes.
A juventude abandona-nos tão rapidamente quanto um bom homem abandona o seu amigo malvado, dominado pelo desgosto, assim que conhece as suas falhas ao fim de poucos dias.
A morte, amante da destruição, amiga da velhice e da ruína, gosta do homem sensual, tanto quanto um libertino gosta da beleza.
Portanto, não há nada de tão inútil no mundo quanto esta vida, desprovida de toda a boa qualidade e sempre sujeita à morte, a menos que seja assistida pela eterna felicidade da emancipação.