Embora tenham passados séculos, e ainda milênios, não existe leitura mais atual que a dos clássicos, especialmente se falarmos dos Lotus que perfumaram toda a humanidade e ainda iluminam a alma com os seus ensinamentos como fontes de esperança. Tal é a voz de Buda, o seu rugido de leão fazendo ouvir a Boa Lei.
De entre os textos escritos que recompilam os seus ensinamentos, não há nenhum tão claro, tão definitivo, tão chamativo e próximo como o Dhammapada.
Recordemos que estes Sutras, ou máximas condensadas de conhecimento, moral, neste caso, foram sintetizados no Primeiro Concílio do Budismo, tentando lembrar tudo o que o Thatagata havia explicado, recordado de memória por dez gerações e, só mais tarde, transcrito na língua Pali. Daí o nome “Canon Pali” dado ao Tripitaka, dentro do qual se encontra o Dhammapada.
Este capítulo é um espelho que nos mostra a alma e nos diz tudo aquilo que nos pode fazer sofrer por insensatez. Qual é a condição do insensato, tenebrosa condição humana na qual a mente perde a lucidez e trabalha para a sua própria destruição, escolhendo caminhos de dor que poderiam ter sido evitados. Essa insensatez desconhece as fronteiras, os sexos, a classe social, a educação recebida, até a experiência acumulada – que de nada serve quando a mente cega está obstinada – e ainda a sagrada condição do Discípulo, que embora vigilante, perde a sua atenção, também pode cair nas redes e no veneno da sua própria insensatez.
“Deixai que leigos e monges pensem: ‘Isso foi feito por mim; que em cada coisa, seja grande ou pequena, outros vejam o meu trabalho e me elogiem.’ Esta é a ambição do insensato, e assim o seu desejo e orgulho aumentam. “
Tal é o peso da insensatez nas nossas almas que uma discípula do Coração de Buda, a brilhante HP Blavatsky, nos ensinou que por mais vicissitudes, sofrimentos, golpes recebidos, sonhos fracassados, esperanças truncadas, êxitos convertidos rapidamente em amargura experimentadas pela alma, mesmo que fossemos despossuídos na vida ou na morte de tudo o que mais amamos, se a alma, ao morrer fosse um pouco menos insensata do que antes de nascermos, poderíamos brindar com o elixir da imortalidade e nos sentirmos satisfeitos e bem pagados pela jornada vivida.
Este capítulo nos ensina que a insensatez é um caminho de sofrimento que se alarga penosamente, como o amanhecer para quem vigila cansado durante a noite, um caminho tão penoso no fim, como a própria roda de renascimentos que evoca com as suas trevas mentais.
Diz-nos que nada do que consideramos nosso, um tesouro, como saúde, filhos, bens temporais ou mesmo de educação ou linhagem (recordemos os 8 tipos de riqueza que já mencionamos em outros artigos) são inúteis se formos insensatos. Sem discernimento, tudo aquilo com o qual poderíamos ter feito bem aos outros, e ser uma satisfação para nós mesmos, torna-se um mal amargo e infeliz.
Lembra que nos devemos conhecer, e aí descobriremos o quão pouco realmente sabemos, porque a sabedoria só se casa com a humildade e escapa ao que se pensa douto.
Que estar ao lado de um homem sábio não nos serve de nada, mesmo que passemos a vida a ouvir os seus ensinamentos, se a nossa alma é insensata e não sabe ouvir com o coração e a mente purificadas. Que o insensato é o seu pior inimigo, pois magoa-se e a suas ações colhem frutos amargos.
Que as más ações surgem, como diria Sócrates, dessa ignorância, dessa insensatez e levam, pelo império da lei kármica, às lágrimas, ao amargo arrependimento.
Os gregos diziam que quem não se lança ante a oportunidade, Kairos, quando esta chega rápido, por insensatez, sempre a acompanha a amarga compreensão (metanóia) ou arrependimento. É verdade que a vida é fecunda em dádivas e que, para a alma atenta, a vida é um enxame de belas oportunidades para condensar o mel que nos alimenta e permite avançar felizmente com ela.
Como diz uma poetisa do amor:
… Quão cegadora é a ilusão
que nos perde e nos desorienta,
ao longo do caminho,
e quão grande é a vida,
que nos oferece o poder de corrigir,
uma vez atrás de outra,
os nossos erros …
Ao que o Dhammapada responde, sem ser textual, “e quão amargas são as lágrimas vertidas por esta insensatez”, pois mesmo que a vida seja sempre generosa, a alma fechada sobre si mesma, o cego e vítima de seus desejos, sofrerá uma chuva ácida de males.
Diz que não é possível a amizade da alma com o insensato (61) e que é melhor o caminho solitário do que ir com quem não sabe falar nem ouvir com a alma, porque vai envolto no manto surdo da insensatez e não se pode dialogar com os surdos de ânimo.
Menciona também o que em A Voz do Silêncio alerta sobre a Doutrina da Cabeça, pois esta, sem a sabedoria da Alma (a Doutrina do Coração), confere um conhecimento que “é apenas causa de dor, que destrói a mente e a sua boa natureza” (72)
A síntese áurea deste Ensinamento é que na realidade, como na “Eleição de Hércules” na mitologia grega, apenas existem dois caminhos, um parece levar à riqueza e às vitórias no mundo, ao prestígio, e o outro leva à Perfeita Sabedoria, para a Pura Liberdade (Nirvana, a “extinção” do sofrimento). O sábio escolhe o último, o insensato o primeiro, ou pior ainda, fica parado, enraizando os pés no que já deixou de ser um caminho, pois o caminho só existe enquanto o caminhante avança nele, se não é apenas a terra que apoia, e não por muito tempo.