No Capítulo sobre o Eu (Attavagga), referente à ideia de alma peregrina e consciência na torre de vigia, diz-se que o homem sábio deve manter-se em vigília durantes as três vigílias da noite, i.e., os três estados da vida: a juventude; a idade adulta; e a velhice. Devemo-nos manter em vigília como se guardássemos alguém doente (a nossa personalidade), procurando o seu bem-estar, i.e., que transcenda ou transforme a sua doença. O que isto nos diz é que nos devemos manter acordados, despertos, durante toda a vida, que é, comparativamente à luminosa vida desencarnada do espírito, uma noite febril. Não existe uma fase mais apropriada do que outra para nos vigiarmos e não nos permitirmos adormecer, mas em todas elas é necessário que estejamos atentos a nós próprios, observando de cima para baixo e praticando boas acções, concentrados nas palavras e pensamentos bondosos. Depois, diz-nos que devemos trabalhar com o que nos diz respeito a nós próprios, que nos devemos estabelecer naquilo que é o nosso dever, antes de começarmos a instruir os outros, por forma a que não sejamos repreendidos. Certamente, só cumprindo os nossos deveres pessoais poderemos guiar os outros nos seus respectivos deveres com eficácia. Por outro lado, também não seremos capazes de instruir os outros se não nos instruímos a nós mesmos primeiro e se não nos corrigimos nas falhas que essa instrução vai apontando, pois, o coração que transborda, teve primeiro de perseguir as sombras que se abrigavam nele. Faltar-nos-á a autoridade e o poder se aconselharmos algo aos outros que nós próprios não nos atrevemos a fazer. Mais cedo ou mais tarde seremos repreendidos, por nós próprios, por essa consciência na torre de vigia. Depois, diz-nos Buda, devemos começar por fazer aquilo que dizemos aos outros para fazer e ter o difícil autodomínio para os treinar. Somos nós os protectores de nós próprios e não devemos aguardar que essa protecção venha de fora, quem assim pensa, alcança uma maestria difícil de obter. Pois todo o mal somos nós que o fazemos nascer, produzimos e fazemos a nós próprios, todo o vício tritura-nos «como um diamante tritura uma dura pedra preciosa», «como uma trepadeira estrangula a árvore onde cresce». Nós prejudicamo-nos a nós mesmos como apenas um inimigo seria capaz de fazer, ou mais ainda. É fácil, diz-nos Buda, fazer mal a nós próprios, mas extremamente difícil fazer aquilo que nos seria benéfico, precisamente porque não nos vigiamos em todas as fases da noite da vida e do dia, porque desprezamos o ensino dos mestres, e porque não nos conhecemos. Agimos como um estrangeiro ou inimigo dentro de nós mesmos, que, tal como o bambu, só produz frutos para a sua autodestruição, já que o bambu só dá fruto uma vez, morrendo de seguida. Devemos atentar aos frutos da nossa acção, se nos mantêm vivos ou se nos matam, obrigando-nos a caminhar pela vida como mortos-vivos nos cemitérios nebulosos dos sonhos incumpridos. Buda volta a insistir: o mal que fazemos, fazemo-lo a nós mesmos; o bem que fazemos, fazemo-lo a nós próprios; ninguém pode salvar ninguém salvo salvar-se a si mesmo. Caso contrário, Buda já nos teria salvo a todos. Nós não podemos purificar ninguém e ninguém nos pode purificar a nós, temos de saber que a escada do autoconhecimento é percorrida por cada um de nós e que a correcção dos nossos erros só depende de nós próprios. Mas é ao purificarmo-nos a nós mesmos que podemos ajudar os outros, é aí que os outros poderão, realmente, beneficiar connosco, e não quando nos dirigimos a eles sem nos termos vigiado e transformado primeiro.
Por fim, o capítulo é concluído com a ideia de que ninguém deverá negligenciar o seu bem-estar, referindo-se aqui o bem-estar à meta individual e colectiva da humanidade, à extinção após não haver mais nada para queimar. Este deve ser o único pensamento presente no homem sábio, o saber para onde vai, o que lhe corresponde e o que é seu dever alcançar. Em primeiro lugar, devemos conhecer o nosso “para onde vou” e só depois começarmos a fazer outras coisas, como ensinar e treinar os outros, aconselhá-los sobre a sua vida e ajudá-los a não negligenciarem a vigília e o seu bem-estar (a sua meta).