Num curioso livro do perito em questões tibetanas, o Dr. Donald Sewell Lopez, professor da Universidade de Michigan, cujo título é “Prisioneiros de Sangri-La: O Budismo Tibetano e o Ocidente“, faz uma revisão muito completa de muitos dos mitos sobre o Tibete e o seu misticismo na cultura ocidental.
O Tibete passou de uma terra desconhecida e longe do mundo, para povoar o imaginário coletivo enquanto terra “perdida” e parada no tempo, especialmente na sequência da invasão chinesa dos anos 50 do século passado. A sua lenda aprofundou-se ainda mais, dentro do possível, passando de um conhecimento privado de alguns especialistas e estudiosos para se afirmar como um país mítico e místico, conhecido por todos no campo da cultura popular.
Os tibetologistas disponibilizaram ao público interessado um conhecimento material e mais preciso sobre esta cultura e os seus símbolos, mas também, de alguma forma, como também aconteceu com o Egito, os estudos destas civilizações e as publicações académicas repetidas em diferentes meios de comunicação, embora tenham aproximado o Tibete e o Egito dos grandes meios de comunicação social, perderam totalmente o espírito daqueles aventureiros loucos do século XIX, substituindo-o por um “conhecimento científico detalhado”, que, na verdade, quando chega ao público em geral, não ensina nada mais do que o esqueleto profundamente detalhado destas civilizações, mas desprovido da sua alma.
Alguns tibetologistas e egitólogos modernos estão lentamente a eliminar aquele espírito romântico capaz de mover almas. Afinal, é disso que se trata, pois para que queremos conhecer a história, senão para recriar em nós mistérios, intuições e forças que nos inspiram e que, ao mesmo tempo, moldam a nossa psique para que deixemos o espaço de conforto burguês que criámos, procurando novamente a aventura romântica, talvez imprecisa, talvez ilusória, mas verdadeira, porque contêm a Jóia no Lótus?
“Esta jóia só é procurada pelos jovens de coração capazes de seguir um sonho.”
Desse Tibete que nos escapa, vem a famosa oração e invocação “Om Mani Padme Hum”, que é repetidamente pronunciada por milhões de devotos budistas no mundo. Mas qual é o verdadeiro significado da dita fórmula?
O estudioso alemão do final do século XIX, Emil Schlagintweit, famoso pelas suas obras sobre o budismo tibetano, escreveu sobre este assunto o seguinte:
“Om Manipadme Hum“, ou “A Jóia no Lótus, Ámen”. Esta oração é uma invocação a Padmapani, que se acredita ter sido dada aos tibetanos; é a oração mais repetida de todas, e por isso despertou a curiosidade dos primeiros visitantes ao Tibete. No entanto, o seu verdadeiro significado foi, durante muito tempo, considerado duvidoso, e só a partir da investigação mais recente foi possível chegar a conclusões definitivas…
Apesar deste significado evidente, os budistas no Tibete e na Mongólia encontram um significado místico em cada uma das seis sílabas que compõem esta frase. Há livros inteiros cheios de explicações fantásticas.” (Emil Schlagintweit)
Desde que o mundo é mundo, ou, pelo menos, desde que o Homo Sapiens substituiu o Neandertal, tanto quanto sabemos, este novo homem foi caracterizado pela sua capacidade de simbolizar. Assim, cobriu o espaço à sua volta com marcas e sinais nas rochas, gravou os animais que pretendia caçar no teto das suas grutas, cobriu os seus corpos com tatuagens e até atribuiu símbolos especiais à sua tribo.
Esse significado simbólico era, em muitos casos, de um tipo místico, ainda que custe a aceitar àqueles que fingem que o ser humano é apenas carne, ossos e um certo computador de gordura localizado na cabeça. E era místico porque o símbolo ajudava a conectar-se com elementos suprarracionais e coletivos, para além da pessoa efémera e solitária. A este respeito, sobre a fórmula “Om Mani Padme Hum“, escreveu a eminente teósofa e professora/mestra H.P. Blavatsky:
“Om”, diz o adepto ariano, o filho da quinta raça que inicia e termina com esta sílaba a sua saudação ao ser humano e a sua evocação às presenças não humanas. “Om-Mani”, murmura o adepto turano, o descendente da quarta raça; e traz uma breve pausa adicional: “ Padme-Hum”.
Os orientalistas traduziram erradamente esta famosa evocação pela frase “Oh, a Jóia no Lótus!” porque se Om é literalmente uma sílaba consagrada à Divindade, Padme significa “no Lótus”, e Mani quer dizer “pedra preciosa”, não são porém corretamente traduzidas as palavras em si mesmas nem no seu significado simbólico.
Nesta fórmula, a mais sagrada de todas as orientais, cada sílaba não contem apenas um poder secreto que produz um determinado resultado; também a evocação na íntegra possui sete significados diferentes com outros tantos efeitos que diferem entre si. Os sete significados e os seus respectivos efeitos dependem da entoaçãoque se dá à fórmula no conjunto e a cada uma das suas sílabas; também o valor numérico das letras aumenta e diminui, de acordo com o ritmo dado. (H. P. Blavatsky)
O comentário acima referido do professor Emil Schlagintweit, alude à negação de qualquer explicação da dita fórmula. Ou, por outras palavras, de acordo com o mesmo, milhões e milhões de seres humanos, muitos deles filósofos e pensadores, estrategistas, sacerdotes, cientistas, historiadores, literários e poetas, não tinham a mais pequena ideia do significado da oração própria da sua religião, enquanto que ele, erudito ocidental, julgava ter o direito de opinar e julgar como fantástica uma outra qualquer explicação que não fosse a sua. Começamos bem.
Porém, o ponto de vista de Blavatsky oferece-nos outra visão que atribui à frase um significado místico e esotérico e até chega a descrever um poder oculto na pronúncia correta da mesma.
Não obstante, se tivéssemos que ficar com uma explicação mais simples e, ao mesmo tempo, profunda, ficaríamos com esta, para já: o Deus relacionado com a Jóia do Lótus é Avalokitesvara, também conhecido como Padmapani, o Senhor do Lótus ou Suporte do Lótus.
Avalokitesvara é uma palavra composta cujo significado aproximado é “O Senhor que contempla de cima”. Refere-se ao Sétimo princípio ou Eu Superior no ser humano, é Krishna, Cristo ou Buda, no interior. É o Senhor que sustem o Lótus, o princípio trino que se expressa na oração que estamos a analisar, pois “Om Manipadme hum” é formado na realidade por sete sílabas, uma vez que a primeira se decompõe em A-um, ou seja a tríade superior de onde surge todo o septenário humano.
As representações de Avalokitesvara mostram-no segurando o Lótus na mão; da mesma forma, todo o nosso ser, toda a nossa personalidade, é sustentada e tem o seu último fundamento na Essência Espiritual que nos governa e nos sustenta.
O Lótus representa precisamente a personalidade humana purificada: o lótus é a planta que surge da lama, que cruza as águas, que se abre ao ar e ao fogo solar. Assim, representa o ser humano purificado, pois, tal como as pétalas do lótus, não é manchado pela lama nem pela sujidade da água com que se depara, abrindo-se embebido nessa pureza perante a luz do Espírito, o Avalokitesvara.
Nem todos os eres humanos o alcançam ao mesmo tempo; assim, há lótus que permanecem na lama, outros flutuam apenas no interior das águas e apenas uns poucos conseguem abrir-se finalmente por cima das águas aos ventos do espírito ígneo.
Como podeis ver, nem sempre os eruditos são capazes de alcançar as verdades que apenas tu podes ver do fundo do teu coração. Os estudiosos, se levam a Verdade consigo, também caminham rumo ao Espírito, mas se apenas se deixarem levar pelo orgulho, serão conduzidos ao materialismo mais cego.